Uma vez eu e o Mauricio lemos uma coisa sobre imigração que nos assustou mas nos ajudou a enxergar as coisas de forma diferente: "ser imigrante é como voltar a ter 18 anos, pois não tem carta de motorista, não tem emprego, não tem crédito e ninguém quer dar a primeira chance profissional".
Realmente, a batalha na procura por emprego é uma tarefa bem difícil e te faz lembrar deste início da vida "adulta", quando tudo é desconhecido e parece que não se tem identidade e se sente perdido.
Ouvíamos muito de outros imigrantes que no Canadá as empresas aceitavam mão de obra estrangeira, mas que pediam pelo menos seis meses de experiência canadense. Aí vem a pergunta que não se cala: como ter experiência canadense se ninguém dá a primeira oportunidade?
Pensando neste contexto, o Mauricio ficou preocupado e resolveu também procurar vagas no comércio enquanto corria atrás de coisas na área de arquitetura, assim, caso não conseguisse nada como arquiteto, poderia quebrar a barreira da tal "experiência canadense" com o chamado "survival job". Na ausência de alguma chance na sua área de atuação, pelo menos poderia ganhar um dinheirinho, treinar o idioma e se adaptar à cultura local.
Em relação à própria profissão, também buscou vagas mais inferiores à que tinha no Brasil. Ele sabia que seria muito difícil começar a trabalhar na mesma posição e com a mesma credibilidade. E assim foi a busca pela colocação profissional no Canadá. Procurando trabalhos de várias maneiras, em diversos tipos de mercado e, mais uma vez ponto para a humildade!
Para a nossa alegria, logo após os primeiros 15 dias de procura, começaram as entrevistas. Ele chegou a ser chamado por empresas varejistas (Apple, Target, etc) e por escritórios de arquitetura. Uns faziam uma conversa inicial por telefone, outros uma pré-entrevista por email e alguns chamavam para falar pessoalmente. Às vezes ele se animava, às vezes ficava irritado, às vezes queria chorar, às vezes se motivava, às vezes queria matar, às vezes queria morrer... Coisas de imigrante...
Mas depois de uma semana de entrevistas, dois escritórios de arquitetura se impressionaram com o portfólio do Mauricio e um deles se aprofundou na conversa. Neste dia, uma sexta-feira, foi animação total! O entrevistador pediu mais algumas referências de pessoas e de projetos e, no mesmo dia, o Mau enviou o solicitado. Aí foi um final de semana de angustia, porque não se sabia se estava perto de alguma oportunidade real ou se isso era um processo comum.
O fato foi que na terça-feira seguinte ele recebeu desta empresa uma proposta formal para uma vaga, com todas as condições e benefícios que o cargo que estava sendo oferecido disponibilizava. Claro que não era equivalente ao que ele tinha no Brasil, mas era algo de verdade. Em menos de um mês de busca, o Mauricio já havia conseguido receber uma chance para trabalhar e, mais do que isso, na área de formação, que era exatamente o que ele queria. Não precisa nem falar... Ele agarrou a vaga com unhas e dentes e no dia seguinte levou a proposta assinada ao novo chefe.
Todas as pessoas com quem conversamos no Canadá disseram que o prazo normal para um imigrante conseguir emprego é de 3 a 6 meses, se não for mais. Ou seja, o Mauricio foi completamente fora do padrão. Mas não foi primeira vez que o ele fugiu às regras, normalmente as coisas acontecem com ele num ritmo diferente mesmo.
Facilidade e simplesmente sorte??? Não, competência e dedicação. Não estou dizendo que as pessoas que demoram para conseguir não são boas ou algo do gênero. Mas o Maurcio sabia o que ia enfrentar e as dificuldades que teria. Por isso, não esperou as coisas acontecerem num ritmo canadense. Ele usou a expertise brasileira. Antes mesmo de ir para o Canadá, preparou-se o máximo possível para ser um bom candidato no país. Na realidade ele não sabia o que os profissionais locais iam querer dele. Mas ele sabia o que poderia oferecer aos canadenses.
Um mês antes de embarcar, separou diversos documentos e projetos para montar o seu portfólio. Entrou em contato com ex-chefes e colegas de trabalhos pedindo referências. Fez o mesmo com clientes antigos. Correu atrás dos históricos e diplomas, os quais fez tradução juramentada de todos, sem pensar em economizar. Encarou todos os custos com tudo isso como um investimento. Assim que chegou ao país, foi logo aprender como os canadenses encaravam os candidatos. Adaptou-se a isso, montou seu currículo nos formatos locais, passou a falar da maneira que esperavam, criou um portfólio muito bem feito. Vendeu-se muito bem.
Sorte? Apenas em parte. O meu pai sempre fala que sorte é a oportunidade de estar no lugar certo, na hora certa, da forma certa, mas cabe a nós enxergarmos isso e nos prepararmos para as chances que a vida vai nos oferecer. Ou seja, se o Mauricio não tivesse feito a parte dele, certamente não teria conseguido. Foi atrás o máximo que pôde, sem pestanejar. Medo? Sim, ele teve, mas isso faz parte de qualquer pessoa normal. O negócio foi encarar de frente!
Realmente eu acredito muito que na nossa vida, 50% das coisas que acontecem dependem de nós e os outros 50% são fatores externos. Por isso, pelo menos a parte que nos cabe, temos que fazer!!! E a outra metade? Bem, deixe a vida nos levar!!!
Para a nossa felicidade, as coisas começaram a fluir e as noites de sono dele voltaram ao normal.
E os desafios do novo emprego? Isso fica para uma outra história...
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