sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

- Tempo para refletir



Gente, eu simplesmente adoro escrever aqui no blog. Acho uma delícia contar as histórias, mostrar os fatos e ver que muita gente torce por nós. De maneira bem despretenciosa, eu comecei este diário que foi ganhando espaço e importância na minha vida. Tornou-se uma forma de registrar acontecimentos, expôr ideias e, involuntariamente, dar uma pequena ajuda a algumas pessoas que pensam em vir para cá ou já vivem algo parecido. 

Tenho dividido muitos dos meus pensamentos com bastante carinho e sinceridade, mas devo admitir que ultimamente tem sido difícil manter o blog atualizado no meio da correria. Certamente vocês já perceberam isso.  E apesar deste novo hobby ter se tornado tão importante, vou tirar umas férias de tudo. Juro que será breve. Não pretendo encerrar o blog de maneira nenhuma. Muita calma nesta hora! Vou mantê-lo ativado e continuarei a responder os comentários. Só vou parar temporariamente de publicar posts. 

Espero voltar a compartilhar várias histórias em breve, quem sabe logo no início do ano que vem? É só falta de tempo mesmo. Marido e eu vamos aproveitar este fim de ano para descansar e refletir um pouco, assim, estaremos com a mente renovada para dividir mais um monte de novidades! Nós já temos um monte de histórias para contar... Juro! Vamos alí fazer umas coisinhas e já retornamosSerão apenas umas férias, aliás, muito merecidas!!!! 

Devo admitir que este ano foi beeeeeeem intenso desde o primeiro mês, com muitas emoções envolvidas. Quem acompanha a nossa história sabe que começamos 2015 com uma difícil batalha que deixou os nossos corações relativamente desequilibrado. E isso refletiu muito no decorrer do ano. Sabemos que sempre há uma razão para cada circunstância e lá na frente tudo fará sentido. Hoje estamos confiando de que o futuro reserva boas surpresas para nós. Temos convicção de que nenhuma luta foi e será em vão. 

Até lá, agradeço imensamente o carinho dos leitores que vem acompanhando a nossa história desde o início, ou desde o fim para aqueles que começam a ler de trás para frente (rssss). Obrigada pela paciência de esperar os nossos contos, desabafos, alegrias, conquistas e tudo o que vem no pacote da imigração. Obrigada pelos comentários e participação.

Que 2016 seja maravilhoso a todos. Que este próximo ano venha com energias renovadas para fortalecer a coragem que precisamos para transformar ideias em planos, planos em caminhos, e caminhos em realizações. Que a nossa fé seja capaz de mudar o mundo, virar o eixo, trocar as direções, compôr novos sentidos, e criar asas para nos fazer voar. E que o nosso futuro não fique apenas restrito ao ano que vem, mas que seja o início muitas realizações.

Desejo a vocês, amigos e cúmplices de blog, muita saúde, amor e união, porque o resto a gente corre atrás!


Bora entrar em 2016 com tudo!!!!

Obrigada!


terça-feira, 8 de dezembro de 2015

- O paradoxo do imigrante

 

Quis viver longe de casa?
“Get over it, princess. If you can...”

É engraçado como a vida nos prega peças… Eu tenho plena convicção de que não temos controle sobre a vida. Por nossas decisões sim, mas as consequências… aaah as consequências… estas nem sempre são como esperadas. A gente vai lá, faz planos, estuda possibilidades, lê a respeito, pensa nos pros, nos pros novamente (porque os contras geralmente a gente deixa de lado), e finalmente opta por um caminho quase que certo. E mesmo que a trajetória esteja seguindo rumo ao esperado, existe aquela sensação de que algo está faltando. Parece que tem um espaço para completar. A gente corre, corre, corre e corre mais um pouco para tentar alcançar metas e viver um sonho. Vamos completando as lacunas como se a vida fosse um quebra-cabeça. E mesmo que você tente ser um super herói para ter tudo o que quer, tem a sensação de que ainda há um fragmento deste puzzle em aberto. Aí você se dá conta de que tinha razão e realmente ainda tem uma peça faltando, e o pior, que sempre haverá um espaço em branco, um vazio que nunca será preenchido.

Gente, eu não estou louca, não virei escritora e nem poeta.  Também não estou querendo fingir ser terapeuta. Apenas percebi que vivo um eterno paradoxo. E por que isso? Porque eu sou o tipo de pessoa que gosta de olhar para frente e enfrentar a vida. Sabe aquela história “é melhor se arrepender de ter feito do que de nunca ter tentado”? Pois então, sempre segui este pensamento. Na dúvida, é melhor fazer! E nem precisa mencionar que viver em outro país foi uma destas decisões de “arriscar” e tentar o desconhecido. “Vamos lá Priscila, corre que a vida está aí para te dar a chance de tentar.” E tudo isso é muito legal, viver criando experiências dia a dia. Mas agora que estou aqui, percebi que estarei incompleta mais do que nunca. Viver no Canadá significa estar sem a minha família por perto. Voltar para o Brasil, implica em abrir mão do meu novo modo de vida. Não tem jeito, os dois eu nunca terei. E de agora em diante, viverei arrependida de qualquer maneira, ou por ficar aqui ou por voltar. 

Eu percebi que quanto mais exploramos, mais descobrimos. Quanto mais experiências passamos, mais crescemos. Mas quanto mais vivemos, mais incompleto ficamos. Não parece loucura??? De agora em diante, além de agradecer as oportunidades, eu também lamentarei pelo o que não vivo. Agora sentirei o eterno arrependimento de estar aqui ou lá, de ficar ou voltar. Aqui, sentirei a dor da ausência dos meus pais na minha vida e, a minha ausência na vida deles. Do tempo estar passando para todos… Claro que isso pode parecer insensatez, mas quando deixamos o país, por algum motivo inexplicável, temos a sensação de que só nós estamos mudando. Parece que o tempo só passará para nós. No fundo, é o que queremos. De forma egoísta, eu queria mesmo era poder parar o tempo para as pessoas que eu amo para que sempre estivessem ali, do mesmo jeitinho que estavam quando vim embora. Quando decidi imigrar, eu estava determinada em olhar para frente. Eu não quis olhar para trás. Me foquei no que ganharia. Não imaginei o que perderia. O fato é que eu não quis ser realista. Evitei enfrentar a verdade. Todo mundo fala das dificuldades de adaptação, do idioma, da cultura. Eu mesma só falo nisso. Mas a maioria das pessoas evitam se aprofundar na maior dificuldade, que é viver longe da família. A gente menciona isso de forma muito superficial como se fosse algo administrável. Não é. A verdade pura e simples é que não sabemos lidar com esta ausência. Todo mundo já ouviu falar que a palavra “saudade” é exclusiva da língua portuguesa. E quer saber? Nem no português e nem em nenhum idioma existe uma palavra capaz de explicar esta falta. Não é saudade, não é “missing”, não é distanciamento, não é nada disso. É algo mais forte. 

Eu procuro razões para ficar, porque isso é algo que eu realmente quero. É uma proposta que fiz a mim mesma, um desafio que tem agregado muito à minha personalidade e visão do mundo. Quero ficar. Mas sei que lamentarei por isso. Se voltar, arrependerei-me também. 

De agora em diante, viverei a insatisfação de estar incompleta. A dúvida viverá comigo, as possibilidades condicionais estarão presentes, a ausência já faz parte de mim. Não importa onde eu vá, onde eu esteja, quanto mais eu viver, mais falta eu vou sentir.

Vale mencionar que eu havia escrito este post há um ano atrás, e que na verdade era bem mais longo. Mas hesitei em publicá-lo pois era algo muito pessoal e talvez eu estivesse me expondo demais (como se isso fosse possível). Aí outro dia li um texto que descrevia muito bem o que eu sentia sobre o mesmo assunto. E assim, percebi que eu não era a única a pensar desta maneira. Por isso, acabei cortando grande parte do que eu havia escrito para dar espaço ao texto que me confortou. Não porque resolveu o meu problema, mas porque me fez sentir mais “normal”. 

Abaixo compartilho os pensamentos que passam pela minha cabeça através de uma publicação feita pela autora Ruth Manus. Vale a pena a leitura. Faço destas palavras as minhas, literalmente, sem exceção.

Obrigada Ruth Manus, pelo texto sutil e delicado de um assunto tão difícil...
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Muito além do valor do aluguel.

Voar: a eterna inveja e frustração que o homem carrega no peito a cada vez que vê um pássaro no céu. Aprendemos a fazer um milhão de coisas, mas voar… Voar a vida não deixou. Talvez por saber que nós, humanos, aprendemos a pertencer demais aos lugares e às pessoas. E que, neste caso, poder voar nos causaria crises difíceis de suportar, entre a tentação de ir e a necessidade de ficar.

Muito bem. Aí o homem foi lá e criou a roda. A Kombi. O patinete. A Harley. O Boeing 737. E a gente descobriu que, mesmo sem asas, poderia voar. Mas a grande complicação foi quando a gente percebeu que poderia ir sem data para voltar.

E assim começaram a surgir os corajosos que deixaram suas cidades de fome e miséria para tentar alimentar a família nas capitais, cheias de oportunidades e monstros. Os corajosos que deixaram o aconchego do lar para estudar e sonhar com o futuro incrível e hipotético que os espera. Os corajosos que deixaram cidades amadas para viver oportunidades que não aparecem duas vezes. Os corajosos que deixaram, enfim, a vida que tinham nas mãos, para voar para vidas que decidiram encarar de peito aberto.

A vida de quem inventa de voar é paradoxal, todo dia. É o peito eternamente divido. É chorar porque queria estar lá, sem deixar de querer estar aqui. É ver o céu e o inferno na partida, o pesadelo e o sonho na permanência. É se orgulhar da escolha que te ofereceu mil tesouros e se odiar pela mesma escolha que te subtraiu outras mil pedras preciosas.

E começamos a viver um roteiro clássico: deitar na cama, pensar no antigo-eterno lar, nos quilômetros de distância, pensar nas pessoas amadas, no que eles estão fazendo sem você, nos risos que você não riu, nos perrengues que você não estava lá para ajudar. É tentar, sem sucesso, conter um chorinho de canto e suspirar sabendo que é o único responsável pela própria escolha. No dia seguinte, ao acordar, já está tudo bem, a vida escolhida volta a fazer sentido. Mas você sabe que outras noites dessa virão.

Mas será que a gente aprende? A ficar doente sem colo, a sentir o cheiro da comida com os olhos, a transformar apartamentos vazios na nossa casa, transformar colegas em amigos, dores em resistência, saudades cortantes em faltas corriqueiras?

Será que a gente aprende? A ser filho de longe, a amar via Skype, a ver crianças crescerem por vídeos, a fingir que a mesa do bar pode ser substituída pelo grupo do whatsapp, a ser amigo através de caracteres e não de abraços, a rir alto com HAHAHAHA, a engolir o choro e tocar em frente?

Será que a vida será sempre esta sina, em qualquer dos lados em que a gente esteja? Será que estaremos aqui nos perguntando se deveríamos estar lá e vice versa? Será teste, será opção, será coragem ou será carma?

Será que um dia saberemos, afinal, se estamos no lugar certo? Será que há, enfim, algum lugar certo para viver essa vida que é um turbilhão de incertezas que a gente insiste em fingir que acredita controlar?
Eu sei que não é fácil. E que admiro quem encarou e encara tudo isso, todo dia.

Quem deixou Vitória da Conquista, São José do Rio Preto, Floripa, Juiz de Fora, Recife, Sorocaba, Cuiabá ou Paris para construir uma vida em São Paulo. Quem deixou São Paulo pra ir para o Rio, para Brasília, Dublin, Nova York, Aix-en-provence, Brisbane, Lisboa. Quem deixou a Bolívia, a Colômbia ou o Haiti para tentar viver no Brasil. Quem trocou Portugal pela Itália, a Itália pela França, a França pelos Emirados. Quem deixou o Senegal ou o Marrocos para tentar ser feliz na França. Quem deixou Angola, Moçambique ou Cabo Verde para viver em Portugal. Para quem tenta, para quem peita, para quem vai.

O preço é alto. A gente se questiona, a gente se culpa, a gente se angustia. Mas o destino, a vida e o peito às vezes pedem que a gente embarque. Alguns não vão. Mas nós, que fomos, viemos e iremos, não estamos livres do medo e de tantas fraquezas. Mas estamos para sempre livres do medo de nunca termos tentado. Keep walking.
(MANUS Ruth, O alto preço de viver longe de casa, 24/06/2015)
Para ler a publicação original, clique aqui.
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terça-feira, 1 de dezembro de 2015

- Todo mundo fala inglês (só que não)



O MEU TRAUMA
 
Eu confesso que quando morava no Brasil, eu sentia vergonha de NÃO falar inglês. E isso é justificável, pois todo mundo que eu conhecia falava. E quando digo todo mundo, eu quero dizer “todas as pessoas que eu conhecia falavam inglês – e FLUENTE”. Eu era única que não. Isso era algo que fazia eu me sentir constrangida, às vezes ignorante, como se a falta deste idioma fosse o suficiente para anular qualquer outro conhecimento que eu tivesse. E isso era muito chato. Eu odiava aquela sensação. Muitas pessoas tiravam sarro de mim, outras se achavam superior, algumas faziam piadas que eu não entendia, e assim foi indo…

Muito desta história foi culpa minha mesmo. Quando nova, eu não tinha o menor interesse em falar inglês. Ou melhor, corrigindo o que eu disse, eu até queria falar outro idioma, mas não tinha a menor vontade de passar pelo processo de aprendizado. Na minha fase de criança/adolescência, minha mãe tentou me convencer a frequentar escolas de inglês, mas na ocasião eu tinha outro foco e não quis me dedicar a uma segunda língua. Nesta época, o meu interesse era pela dança, principalmente balé clássico. Houve períodos em que eu tinha 20 horas semanais de aula de dança. Além disso, na escola que eu frequentava havia classes obrigatórias no período da tarde, o que ocupava ainda mais tempo na minha vidinha de jovem. Com estas coisas acontecendo, meus pais nem foram insistentes, afinal, eu estava dedicada aos estudos e às atividades físicas. O inglês eu poderia aprender mais tarde a qualquer momento (ou não).

O tempo foi passando, a vida de adulta chegando e a minha dedicação se direcionando à carreira profissional (que não foi nada relacionado ao balé). Aí a falta do inglês começou a incomodar um pouco, aliás, muito. Já estava na hora de começar a aprender esta porcaria de idioma! Aí eu tive um ótimo plano de estudar em uma escola para adultos onde as classes poderiam ser exclusivas para pequenos grupos. Fechamos uma turma só para mim e para o meu pai querido. Meu pai levava tudo na brincadeira e até fazia guerra de papel. Sério!!! Só entre nós dois! Além disso, era chato ir a noite, com a cabeça já cansada após um dia de faculdade e trabalho. Frequentamos a escola por um mês, duas vezes por semana, faltamos algumas aulas, e desistimos. Depois disso, meu amado-nada-dedicado pai teve a brilhante ideia de contratar um professor particular para ir em casa nos ensinar. Assim, não teríamos como faltar! Mas com 20 e poucos anos e uma vida relativamente ocupada entre o curso de arquitetura e trabalho, não havia ânimo para estudar mais uma coisa e ainda ter lição de casa. As coisas não entravam na minha cabeça. Foi só mais um mês de aula e outra desistência. Passado um tempo, após terminar a faculdade, fiz mais uma tentativa: aulas particulares, pela manhã, e sem a presença do meu colega-do-fundão pai. Agora ia dar certo! Cabeça fresca antes de ir para o trabalho, sozinha, com o professor todinho para mim. Este seria um plano infalível. Ou não. Eu vivia cancelando as aulas novamente. Sempre havia uma desculpa e acabei desistindo desta terceira tentativa de plano antes mesmo de começar a falar "hello". Não adiatava. Eu precisva daquilo, mas a dificuldade de encarar outra língua era uma barreira. Eu era boa com números, não letras. Continuei a vida sem inglês mesmo. O que não era o fim do mundo, apenas uma pequena pedra no meu sapato. Neste momento, eu mal sabia o que o futuro reservava para mim. Eu ainda nem imaginava que um dia moraria no Canadá.

OH CANADA

Planos e malas prontas para ir para o Canadá! Agora sim eu aprenderia o bendito inglês, na marra. Eu estava ansiosa para começar a vida nova e tirar da frente o sufoco de não entender o mundo da internet, softwares e notícias globalizadas. A-há! As piadas acabariam!!! Eu não seria mais a excluída da turma!!! Não que neste ponto da vida eu estivesse preocupada com isso, pois afinal, eu nem sabia se um dia reecontraria aquela “galera-que-falava-inglês–fluente”.

Meus planos eram bem realistas. Eu chegaria no Canadá, aprenderia inglês depois de um ano de estudo, e pronto! Vida feita. E falo que os planos eram realistas porque eu me baseava no que “a-galera-que-falava-inglês–fluente” dizia. Uns haviam aprendido o idioma após intercâmbio de 1 ano, outros de 6 meses. Alguns, os mais espertinhos, haviam estudado por 3 meses fora e já falavam tudo em inglês, se bobear melhor que o português. Cada um tinha uma história, mas de maneira geral, estudar por um período “imersa na cultura do idioma” seria o suficiente para aprender o inglês e me tornar fluente.

Eu, que não sou boba nem nada, já pensei de cara que eu precisaria de 1 ano inteiro para chegar lá. E isso era razoável para mim, pois eu já sabia das minhas dificuldades com a coisa. Um aninho para a Priscila e pronto. Eu sabia que seria difícil o começo da vida de imigrante, adaptação e início de carreira. Mas eu precisaria aguentar por apenas um ano. Após me tornar uma ninja do inglês, certamente as coisas fluiriam.

AS ESCOLAS

Assim que cheguei aqui, o meu plano já foi alterado um pouco. Na verdade adiado. Eu queria chegar no Canadá e já iniciar os estudos. Mas o processo do governo era diferente do meu plano e eu precisei esperar por um tempo até ser avaliada e direcionada para uma escola que tivesse vaga disponível. Isso tudo porque eu não estudaria em instituição particular, afinal, o país oferecia um curso gratuito para imigrantes na minha condição. Enfim as minhas aulas começaram, e junto delas o desespero. No início, foi muito difícil entender qualquer coisa e começar a me familiarizar com o mundo a volta. Passado uns dois meses de aulas, eu ainda estava bem perdida. Aí comecei a achar estranho pois parte da “galera-que-falava-inglês–fluente” no Brasil havia estudado por apenas 3 meses fora. Eu estava quase neste tempo e muuuuuuito longe de falar uma sentença completa. Desespero batendo, fui tentar conversar com a minha professora para entender quanto tempo eu precisaria para estar fluente no inglês. Com um sorriso sarcástico e solidário ao mesmo tempo, ela respondeu: “de 3 anos a 5 anos de estudo contínuo”. Wow! Imagina a minha cara… engoli seco e perguntei novamente porque eu tinha certeza de que não havia entendido a resposta. Ela repetiu enfaticamente: “para começar a ter alguma fluência, uma pessoa precisa de pelo menos 3 anos de estudos local sem interrupção”. Naquele momento meus planos foram por água abaixo. Até certo ponto eu achava que ela estava exagerando e falei que meus amigos da “galera-que-falava-inglês–fluente” haviam feito intercâmbio por 1 ano e falavam inglês fluente. Lembro-me dela perguntando: “Quem disse que eles falam inglês fluente?”. Sem graça respondi: “Eles.” Aí neste momento me senti meio boba, aliás, ela tinha razão, afinal quem disse que eles falavam inglês fluente? Além disso, o que é inglês fluente???

E juro, eu nem acho que a “galera-que-falava-inglês–fluente” mentia para mim quando diziam que eram craques neste idioma. Sério. Tenho convicção de que eles acreditam fielmente nisso. E eu mesma acho que muito deles falam um excelente inglês. Juro que eu acho. Mas daí falar que são fluentes há uma enoooorme diferença.

Continuei a tentar entender esta história mal contada. Foi aí que a minha professora pacientemente sentou comigo para uma longa conversa. Óbvio que ela percebeu minha frustração através da minha cara de “quase” choro e desapotamento. Ela mesma dava aula em escola de intercâmbio. Na época, ela explicou que o estudante vai aprender inglês, é claro. Mas isso não significa que falará fluentemente. Uma coisa é ser turista e conseguir se virar, outra coisa é viver dependendo de uma determinada língua. E mais uma vez. A situação de quem vem para cá para fazer um curso de idioma é completamente diferente de quem mora aqui. As necessidades do imigrante não são as mesmas das do estudante, que sabe que vai voltar e não precisa se adaptar em todas as perspectivas da vida. As circunstâncias são tão diferentes que fica até difícil expôr as dificuldades que se passa quando vive o dia a dia. São detalhes que não são perceptíveis aos olhos da experiência temporária.

UMA QUESTÃO DE REALIDADE

Pensando nisso tudo, falar inglês (ou não) é uma questão de realidade e necessidade. Cada um na sua. Ser turista não é a mesma coisa que ser estudante, que não é a mesma coisa que ser imigrante. Falar inglês, independente do tempo de estudo, não necessariamente significa ser fluente. E isso serve para qualquer outro idioma.

Por isso, sugiro às pessoas que planejam morar por estes lados (ou mesmo ir para os EUA, Austrália, ou qualquer outro país que não fala português): seja realista. Antes de se achar um mestre da língua, pense duas vezes. A sua expectativa pode não condizer com a sua realidade.

Vale mencionar que eu não quero que ninguém me odeie por isso tudo o que estou falando, a minha ideia não é colocar ninguém para baixo ou desanimar as pessoas por aí. Também não quero me vingar da “galera-que-falava-inglês–fluente”. Nada disso. Muito pelo contrário. A minha sugestão é que as pessoas coloquem os dois pés no chão antes de acharem que estão 100% prontos para encarar a nova vida em outro país. Evitar qualquer decepção poderá aliviar o estresse desta experiência.

E isso não é o meu julgamento, a dificuldade com a língua é senso comum (e não exclusividade dos brasileiros). Mesmo as pessoas que são experts no inglês antes de vir, sofrem muito até entrarem no ritmo. E isso faz total sentido. Nós levamos uma vida toda para aprender a falar e aperfeiçoar o idioma nativo. Por que então achamos que a segunda língua vai ser aprendida de uma hora pra outra? Não vai. Não há milagre. E fui muuuuito ingênua em acreditar que em um ano eu já estaria falando inglês bem. Muitas coisas só são aprendidas conforme as situações aparecem à frente. Ninguém tem tempo para ficar lendo livros e mais livros divididos por assunto para construir um super vocabulário. E mesmo quem tem tempo para isso, vai sofrer para absorver as novas palavras se não as usar constantemente. Ou você lembra de todas as fórmulas de física e/ou química que aprendeu lá trás no colegial??? Provavelmente não, pois são coisas que não fazem mais parte do seu dia a dia. E o mesmo funciona para o idioma. Só se aprende o que se usa.

E se ainda assim duvida do que estou falando, então pense em situações que já viveu no Brasil. Agora avalie se você conseguiria se expressar nas respectivas situações da mesma forma em inglês (ou no idioma que preferir). Você seria capaz de falar com a gerente do banco na mesma performance? Com o médico? Professor do seu filho? Mecânico do carro? Pedreiro que fará uma manutenção da sua casa? Com a costureira? Poderia explicar para a polícia porque estava fazendo determinada coisa errada? Você está pronto para falar com o veterinário do seu cachorro? Com o jardineiro do seu prédio?? Com o sem-teto que está pedindo ajuda? Com um advogado??? Com um dentista?

Mais uma vez, não estou desafiando ninguém aqui. Apenas sugerindo que as pessoas percebam que a comunicação vai muito além das necessidades de turista ou das reuniões do trabalho em língua estrangeira. O mundo é muito maior do que imaginamos. Geralmente não percebemos isso até que estejamos dentro de uma situação que exija de nós a comunicação antes desconhecida.

E claro, se você não se imagina falando em inglês com o jardineiro da sua casa, não significa que você não fala o idioma. Mas muitas vezes subestimamos ou superestimamos nosso conhecimento, o que não é saudável. E isso pode fazer a diferença entre conseguir ou não enfrentar a nova realidade em um outro país. E nem é só isso, vejo muita gente que se julga excelente no idioma estrangeiro escrevendo cada absurdo nas redes sociais… Dá até medo! E muitas delas são parte da “galera-que-falava-inglês–fluente”. Ironia!

Aliás, se existe uma coisa que eu odeio é quando alguem lá no Brasil me pergunta: “E o inglês Priscila? Já está expert né?!”. Tipo…. Não, não estou. E cada vez que respondo isso, as pessoas me olham com aquelas caras de “você é burra então”. A vontade que eu tenho é de soltar uma resposta bem educada como: “Meu inglês ainda está um cocô, mas certamente melhor que o seu!”. Será que seria muita grosseria?

Pior são aquelas pessoas que querem vir pra cá e já dizem: “Inglês eu já sei, porque estudei por X anos na escola tal, duas vezes por semana em aulas de 1 hora, e blá blá blá”. Outra vez, não quero desmerecer ninguém e sei que muita gente fala bem demais. Mas muitas estão longe disso. Inclusive familiares meus que vão para a Disney, conseguem comprar um hamburguer no McDonalds sem molho especial e juram que isso é o suficiente para ser CEO da Microsoft ou Apple. Pelo amor né gente, realidade nesta vida! (este exemplo do McDonalds é o marido que fala!) Já vi mil casos de pessoas que juram que são fluentes, aí quando vão fazer a prova do IELTS entram em pânico e torcem para tirar pelo menos o mínimo necessário. Ué, cadê a fluência??? Cadê o whatever, whenever, whoever que você insiste em escrever nas redes sociais???? Cadê, cadê, cadê?

Por outro lado, várias pessoas estão bem mais consciente do que vai vir pela frente. E não são poucas que assumem isso. Vira e mexe aqui no blog mesmo recebo comentários/emails fofos de gente dizendo que “arrasta” no inglês, ou que fala o suficiente para viajar, outras coisas.

COMPORTAMENTO

Eu já estou aqui há mais de dois anos e meio e ainda sofro bastante. O marido chegou aqui já sabendo falar inglês, e muuuuuito bem, e ainda sofre. Tenho amigos que estão aqui há anoooos e ainda faltam aquelas palavrinhas essenciais para expressar o que quer.

Por exemplo, tenho uma amiga brasileira muuuuuito querida que está aqui há quase 20 anos. Ela chegou no Canadá com 19. Outro dia mesmo ela me perguntou: “Priscila, você consegue ser a mesma pessoa falando inglês?”. Na hora eu nem entendi o que ela quis dizer, mas ela explicou que eu sou “engraçada demais” (acreditem, não sou, ela é que é louca rssss), então ela queria saber se eu era capaz de fazer os mesmos comentários em inglês ou contar as minhas histórias da mesma maneira que eu falo em português. Tipo… eu nunca havia pensado nisso, mas tenho plena convicção de que não. Certamente não sou a mesma pessoa na forma de me expressar. E isso é muito esquisito. Para começar, para falar inglês eu uso outra voz (oi?). Além disso, as expressões são diferentes e a forma de as falar também. No inglês, para a maioria dos estrangeiros é difícil identificar a diferença entre educado, gentil, formal, coloquial. Óbvio que sabemos algumas coisas, mas muitas vezes acabamos sendo educados demais ou muito formais quando não há necessidade. Ou despojado ou rude em ocasiões que deveríamos ser mais educados ou delicados. São detalhes que não vem naturalmente no início. Leva tempo para pegar estas coisas. No fim das contas, percebi que a Priscila brasileira é bem mais coerente e legal! (rssss)

O fato é que cansei de ouvir histórias de gente que chega aqui e se frustra com o país por causa da dificuldade de adaptação. É difícil mesmo. Não é a toa que falo isso repetidamente aqui no blog. E junto com o desafio da língua, todo o resto vem junto. É muito difícil a colocação profissional sem uma boa comunicação. E isso vale para todas as habilidades (escrita, leitura, fala e audição). Acreditem, quando me refiro a um bom inglês, não estou dizendo que tem que saber todas as regras gramaticais e palavras do dicionário, muito pelo contrário. O bom inglês é aquele que possibilita se comunicar com clareza e compreender o mundo ao redor. A sua maneira de falar não precisa ser igual a minha e vice-versa. Você não precisa usar as mesmas palavras e/ou expressões que os outros. O importante é ser claro e coerente.

Então, se você fala inglês, venha com bastante humildade que as coisas vão dar certo. Confie em você mesmo, mas não se superestime. Se você está vindo e não fala nada, igual a mim quando cheguei, relaxa que uma hora você vai falar!

Outro dia ouvi uma teoria sobre imigrante que achei excelente: “Imigrar é igual abrir uma empresa. O lucro só vai começar aparecer depois de 5 anos.” Acreditem, apego-me a isso todo dia!!!