Quis viver longe de casa?
“Get over it, princess. If you can...”
É engraçado como a vida nos prega peças… Eu tenho plena
convicção de que não temos controle sobre a vida. Por nossas decisões sim, mas
as consequências… aaah as consequências… estas nem sempre são como esperadas. A
gente vai lá, faz planos, estuda possibilidades, lê a respeito, pensa nos pros,
nos pros novamente (porque os contras geralmente a gente deixa de lado), e
finalmente opta por um caminho quase que certo. E mesmo que a trajetória esteja seguindo rumo ao esperado, existe aquela sensação de que algo está faltando. Parece
que tem um espaço para completar. A gente corre, corre, corre e corre mais um
pouco para tentar alcançar metas e viver um sonho. Vamos completando as lacunas
como se a vida fosse um quebra-cabeça. E mesmo que você tente ser um super
herói para ter tudo o que quer, tem a sensação de que ainda há um fragmento deste puzzle em aberto. Aí você se dá conta de que tinha razão e realmente ainda tem uma peça
faltando, e o pior, que sempre haverá um espaço em branco, um vazio que nunca será preenchido.
Gente, eu não estou louca, não virei escritora e nem poeta. Também não estou querendo fingir ser
terapeuta. Apenas percebi que vivo um eterno paradoxo. E por que isso? Porque
eu sou o tipo de pessoa que gosta de olhar para frente e enfrentar a vida. Sabe
aquela história “é melhor se arrepender de ter feito do que de nunca ter
tentado”? Pois então, sempre segui este pensamento. Na dúvida, é melhor fazer!
E nem precisa mencionar que viver em outro país foi uma destas decisões de
“arriscar” e tentar o desconhecido. “Vamos lá Priscila, corre que a vida está
aí para te dar a chance de tentar.” E tudo isso é muito legal, viver criando
experiências dia a dia. Mas agora que estou aqui, percebi que estarei
incompleta mais do que nunca. Viver no Canadá significa estar sem a minha
família por perto. Voltar para o Brasil, implica em abrir mão do meu novo modo
de vida. Não tem jeito, os dois eu nunca terei. E de agora em diante, viverei arrependida
de qualquer maneira, ou por ficar aqui ou por voltar.
Eu percebi que quanto mais exploramos, mais descobrimos. Quanto mais experiências passamos, mais crescemos. Mas quanto mais vivemos, mais incompleto ficamos. Não parece loucura??? De agora em
diante, além de agradecer as oportunidades, eu também lamentarei pelo o que não
vivo. Agora sentirei o eterno arrependimento de estar aqui ou lá, de ficar ou
voltar. Aqui, sentirei a dor da ausência dos meus pais na minha vida e, a minha
ausência na vida deles. Do tempo estar passando para todos… Claro que isso pode
parecer insensatez, mas quando deixamos o país, por algum motivo inexplicável,
temos a sensação de que só nós estamos mudando. Parece que o tempo só passará
para nós. No fundo, é o que queremos. De forma egoísta, eu queria mesmo era
poder parar o tempo para as pessoas que eu amo para que sempre estivessem ali,
do mesmo jeitinho que estavam quando vim embora. Quando decidi imigrar, eu
estava determinada em olhar para frente. Eu não quis olhar para trás. Me foquei no que ganharia. Não imaginei o que perderia. O fato é
que eu não quis ser realista. Evitei enfrentar a verdade. Todo mundo fala
das dificuldades de adaptação, do idioma, da cultura. Eu mesma só falo nisso.
Mas a maioria das pessoas evitam se aprofundar na maior dificuldade, que é
viver longe da família. A gente menciona isso de forma muito superficial como
se fosse algo administrável. Não é. A verdade pura e simples é que não sabemos
lidar com esta ausência. Todo mundo já ouviu falar que a palavra “saudade” é
exclusiva da língua portuguesa. E quer saber? Nem no português e nem em nenhum idioma existe uma palavra capaz de explicar esta falta. Não é saudade, não é
“missing”, não é distanciamento, não é nada disso. É algo mais forte.
Eu procuro razões para ficar, porque isso é algo que eu
realmente quero. É uma proposta que fiz a mim mesma, um desafio que tem
agregado muito à minha personalidade e visão do mundo. Quero ficar. Mas sei que
lamentarei por isso. Se voltar, arrependerei-me também.
De agora em diante, viverei a insatisfação de estar
incompleta. A dúvida viverá comigo, as possibilidades condicionais estarão
presentes, a ausência já faz parte de mim. Não importa onde eu vá, onde eu
esteja, quanto mais eu viver, mais falta eu vou sentir.
Vale mencionar que eu havia escrito este post há um ano atrás,
e que na verdade era bem mais longo. Mas hesitei em publicá-lo pois era algo
muito pessoal e talvez eu estivesse me expondo demais (como se isso fosse
possível). Aí outro dia li um texto que descrevia muito bem o que eu sentia
sobre o mesmo assunto. E assim, percebi que eu não era a única a pensar desta
maneira. Por isso, acabei cortando grande parte do que eu havia escrito para
dar espaço ao texto que me confortou. Não porque resolveu o meu problema, mas
porque me fez sentir mais “normal”.
Abaixo compartilho os pensamentos que passam pela minha
cabeça através de uma publicação feita pela autora Ruth Manus. Vale a pena a leitura. Faço destas palavras as minhas, literalmente,
sem exceção.
Obrigada Ruth Manus, pelo texto sutil e delicado de um assunto tão difícil...
Muito além do valor do aluguel.
Voar: a eterna inveja e frustração que o homem carrega no peito a cada vez que vê um pássaro no céu. Aprendemos a fazer um milhão de coisas, mas voar… Voar a vida não deixou. Talvez por saber que nós, humanos, aprendemos a pertencer demais aos lugares e às pessoas. E que, neste caso, poder voar nos causaria crises difíceis de suportar, entre a tentação de ir e a necessidade de ficar.
Muito bem. Aí o homem foi lá e criou a roda. A Kombi. O patinete. A Harley. O Boeing 737. E a gente descobriu que, mesmo sem asas, poderia voar. Mas a grande complicação foi quando a gente percebeu que poderia ir sem data para voltar.
E assim começaram a surgir os corajosos que deixaram suas cidades de fome e miséria para tentar alimentar a família nas capitais, cheias de oportunidades e monstros. Os corajosos que deixaram o aconchego do lar para estudar e sonhar com o futuro incrível e hipotético que os espera. Os corajosos que deixaram cidades amadas para viver oportunidades que não aparecem duas vezes. Os corajosos que deixaram, enfim, a vida que tinham nas mãos, para voar para vidas que decidiram encarar de peito aberto.
A vida de quem inventa de voar é paradoxal, todo dia. É o peito eternamente divido. É chorar porque queria estar lá, sem deixar de querer estar aqui. É ver o céu e o inferno na partida, o pesadelo e o sonho na permanência. É se orgulhar da escolha que te ofereceu mil tesouros e se odiar pela mesma escolha que te subtraiu outras mil pedras preciosas.
E começamos a viver um roteiro clássico: deitar na cama, pensar no antigo-eterno lar, nos quilômetros de distância, pensar nas pessoas amadas, no que eles estão fazendo sem você, nos risos que você não riu, nos perrengues que você não estava lá para ajudar. É tentar, sem sucesso, conter um chorinho de canto e suspirar sabendo que é o único responsável pela própria escolha. No dia seguinte, ao acordar, já está tudo bem, a vida escolhida volta a fazer sentido. Mas você sabe que outras noites dessa virão.
Mas será que a gente aprende? A ficar doente sem colo, a sentir o cheiro da comida com os olhos, a transformar apartamentos vazios na nossa casa, transformar colegas em amigos, dores em resistência, saudades cortantes em faltas corriqueiras?
Será que a gente aprende? A ser filho de longe, a amar via Skype, a ver crianças crescerem por vídeos, a fingir que a mesa do bar pode ser substituída pelo grupo do whatsapp, a ser amigo através de caracteres e não de abraços, a rir alto com HAHAHAHA, a engolir o choro e tocar em frente?
Será que a vida será sempre esta sina, em qualquer dos lados em que a gente esteja? Será que estaremos aqui nos perguntando se deveríamos estar lá e vice versa? Será teste, será opção, será coragem ou será carma?
Será que um dia saberemos, afinal, se estamos no lugar certo? Será que há, enfim, algum lugar certo para viver essa vida que é um turbilhão de incertezas que a gente insiste em fingir que acredita controlar?
Eu sei que não é fácil. E que admiro quem encarou e encara tudo isso, todo dia.
Quem deixou Vitória da Conquista, São José do Rio Preto, Floripa, Juiz de Fora, Recife, Sorocaba, Cuiabá ou Paris para construir uma vida em São Paulo. Quem deixou São Paulo pra ir para o Rio, para Brasília, Dublin, Nova York, Aix-en-provence, Brisbane, Lisboa. Quem deixou a Bolívia, a Colômbia ou o Haiti para tentar viver no Brasil. Quem trocou Portugal pela Itália, a Itália pela França, a França pelos Emirados. Quem deixou o Senegal ou o Marrocos para tentar ser feliz na França. Quem deixou Angola, Moçambique ou Cabo Verde para viver em Portugal. Para quem tenta, para quem peita, para quem vai.
O preço é alto. A gente se questiona, a gente se culpa, a gente se angustia. Mas o destino, a vida e o peito às vezes pedem que a gente embarque. Alguns não vão. Mas nós, que fomos, viemos e iremos, não estamos livres do medo e de tantas fraquezas. Mas estamos para sempre livres do medo de nunca termos tentado. Keep walking.
(MANUS Ruth, O alto preço de viver longe de casa, 24/06/2015)
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