Entre os post que mostram passagens da nossa vida em terras geladas, também tem que ter alguns de reflexão, não tem jeito. Desta vez resolvi escrever um pouco sobre mais alguns motivos desta mudança de vida, e cada vez mais, percebo que tudo acontece quando tem que ser. Por isso, acho que eu vivi no Brasil na hora certa. Na minha geração (nasci em 1980) as pessoas foram criadas para "concorrer" e ganhar, quero dizer, para cada um ser melhor na individualidade. É difícil avaliar isso somente como algo ruim, porque tenho que reconhecer que esta criação foi o que me fez ser batalhadora, forte e ambiciosa o suficiente para enfrentar os meus medos e correr atrás dos meus sonhos. Por isso digo que vivi no Brasil na hora certa, no tempo de aprender isso tudo e não ser acomodada. Mas hoje, estando de fora deste cenário, vejo o outro lado desta "moeda". Eu vou explicar.
Tenho a sensação de que durante a fase da minha educação e desenvolvimento como pessoa fui envolvida sempre por ambientes competitivos. E não estou falando da criação dada pelos meus pais, porque eles sempre me ensinaram a ajudar as pessoas em volta e compartilhar tudo o que fosse possível. Eu me refiro à educação escolar e todas as situações externas ao meu círculo familiar. Durante muito tempo ouvi que devia ser uma pessoa esforçada para estar entre os melhores, e portanto eram constantes os incentivos para correr atrás disso. Na escola por exemplo, lembro-me claramente de situações que estimulavam a concorrência entre as crianças. Professores faziam competições do desenho mais legal. As provas de maiores notas eram mencionadas em voz alta. Os melhores trabalhos eram fixados em painéis. Sem falar na premiação das feiras de ciência, pois não bastava a sua exposição e esforço, tinha que se destacar. Em simulados as notas eram divulgadas em listas pelos corredores, e assim todo mundo poderia olhar a nota de todo mundo. Aí você vai crescendo e a competição continua, o ranking do vestibular é exposto publicamente, e mais uma vez não bastava conseguir entrar em uma universidade, tinha que ser na federal e estar entre os primeiros lugares (???). O tempo vai passando e você começa a se preparar para a vida profissional. Escolhe uma área para trabalhar e inicia a construção de uma ultra-super-mega carreira, de preferência na "profissão do futuro". Claro que você não pode ser mais um no mercado, afinal, ouve-se constantemente que não tem espaço para todos né?! Aí vem a faculdade, pós graduação, um milhão de cursos complementares, aprende vários idiomas, e tudo isso porque você deve estar a frente de todos. O que eu quero dizer é que em todo o momento eu estava competindo com alguém (ou "alguens"), fosse direta ou indiretamente. Não me recordo de nenhuma situação em que aquela frase "o importante é competir" realmente tenha sido aplicada, ou "o que vale é a intenção". Não importava o esforço, tinha que estar no topo. Não podia ter nota na média, tinha que estar acima. Não bastava dançar ballet, tinha que fazer um solo. E assim por diante... Lembro-me de um professor de física, chamado Beto, que uma vez disse que nós alunos não poderíamos batalhar por uma típica vida de classe média, pois isso era muito medíocre (???). Meio pesado para um adolescente de 16 anos, não é?!
Claro que concorrência existe em todo lugar, isso é normal e até saudável pois é o que faz as pessoas crescerem e evoluírem. Mas o problema é que isso passou a ser um conceito não apenas profissional, mas parte da vida. É isso mesmo, você tem que ser o melhor da sua área, ter o melhor corpo, a melhor casa, o melhor carro, o maior patrimônio, ter o melhor filho, ser a melhor mãe/pai, etc. De repente você nem sabe mais o que está fazendo, apenas se enxerga em uma corrida desenfreada na qual alguém vencerá. O pior é que o conceito de "melhor" está diretamente relacionado à comparação certo? Não dá para ser melhor sozinho. Então tudo o que se faz passa a ser balizado em algo, ou neste caso, em alguém. A questão é que a minha geração não foi criada para dividir, respeitar, ou simplesmente ser feliz, mas para competir e ganhar. Não é a toa que não existe o senso de comunidade e igualdade hoje em dia, afinal, é a minha turma que são os adultos de hoje. Existe apenas a idéia de superioridade e inferioridade. No Brasil é assim, você sempre está melhor que um e pior que outro, nunca no mesmo nível. Ah! Vai te catar! Que coisa cansativa! Isso desgasta qualquer um, tira energia!
As conversas entre amigos são sobre o carro novo, o aumento do patrimônio, a promoção no trabalho, o bônus, destinos das várias viagens, sobre quem sabe mais sobre determinado assunto, etc. É óbvio que todos querem receber reconhecimento pelas conquistas, mas a pergunta é até onde isso tudo é pessoal. Até onde as coisas são feitas por si próprio ou pelos outros. Na realidade, a vida tem passado no automático e num ritmo imposto pelo mundo a volta sem que as pessoas se perguntem o que realmente querem. Basicamente passamos por uma lavagem cerebral. Você tem que crescer na vida e ponto, sem chance de errar, afinal, falhar é coisa de perdedor. No Brasil erro é igual a fracasso. Sabe quantas vezes ouvi "você não tem direito de errar"? Ninguém pode desistir, mudar, recomeçar. Eu não sei quando aconteceu esta mistura de competitividade profissional e pessoal. O que eu quero dizer é que a saudável concorrência no trabalho invadiu a vida em todos os âmbitos, e os objetivos hoje são mais referenciados nos outros do que nos próprios sonhos. E toda esta concorrência só tem aumentado a individualidade. Virou uma moda do "um por si e Deus por todos". E por conta do excesso de esforço e super ego, o brasileiro adquiriu a mania de achar que tem todos os direitos, mas que não tem nenhum dever. As pessoas só esperam receber e esquecem que têm que dar. Será que isso é apenas reflexo da desigualdade social? Ou uma questão cultural? Não sei a reposta. Não sou nenhuma especialista no assunto. Estou apenas desabafando um pouco...
Mas hoje me vejo em outra perspectiva. E feliz por ter pensado nisso tudo e saído a tempo de "me recuperar". E este é o outro lado da moeda. A educação que me fez ser forte e ambiciosa quando criança é a mesma que estava me sufocando agora como adulta. Só percebi isso no dia que me perguntei "O que estou fazendo? Por que minha vida está assim? É isso que eu quero?" Eu me via no final dos dias sem energia, sem forças. Eu trabalhava, trabalhava e trabalhava muito. Para conseguir sei lá o quê. Para conquistar sei lá o quê. E a justificativa para mim mesma é que todo esforço era para o meu crescimento. Mas crescer até onde??? Para quê? A que preço? Ah não! Eu estava escrava num mundo sem escravidão. Sim, escrava da sociedade e do "ideal" imposto por todos.
Optei por sair do Brasil e fugir desta cultura na qual eu pertencia. Claro que pago um preço bem alto pela minha escolha, pois vivo longe da minha família, e isso é algo que não mencionarei aqui no post pois como já disse anteriormente, família não entra na avaliação, caso contrário eu jamais teria vindo para estes lados. Outro dia o maridão perguntou se eu tinha saudades do Brasil, respondi que não, mas que tinha dos momentos vividos lá, das conversas despretensiosas e inocentes tomando cerveja e comendo qualquer porcaria, sem marca, em algum lugar desconhecido, com amigos de verdade. Mas grandes momentos como estes foram ficando raros. Passei a viver muita coisa séria e pouca coisa divertida. Não culpo ninguém, talvez a mim mesma por ter permitido que minha vida entrasse neste caminho no qual me perdi e não consegui me encontrar novamente.
Optei por sair do Brasil e fugir desta cultura na qual eu pertencia. Claro que pago um preço bem alto pela minha escolha, pois vivo longe da minha família, e isso é algo que não mencionarei aqui no post pois como já disse anteriormente, família não entra na avaliação, caso contrário eu jamais teria vindo para estes lados. Outro dia o maridão perguntou se eu tinha saudades do Brasil, respondi que não, mas que tinha dos momentos vividos lá, das conversas despretensiosas e inocentes tomando cerveja e comendo qualquer porcaria, sem marca, em algum lugar desconhecido, com amigos de verdade. Mas grandes momentos como estes foram ficando raros. Passei a viver muita coisa séria e pouca coisa divertida. Não culpo ninguém, talvez a mim mesma por ter permitido que minha vida entrasse neste caminho no qual me perdi e não consegui me encontrar novamente.
A questão é que aqui me sinto livre da comparação, livre da concorrência desenfreada, livre da obrigação de ser melhor; na prática, livre para ser feliz ao meu modo. Me sinto livre para crescer, sem necessariamente passar por cima de alguém, livre para ficar onde estou sem que ninguém passe por cima de mim. Aqui sou livre para ser igual. Com direitos e deveres na mesma proporção. Tenho regras a seguir, mas como eu, todo mundo tem. Tenho direitos, mas assim como eu, todo mundo tem. Tenho deveres, mas assim como eu, todo mundo tem.
A ambição existe, é claro. Quero uma casa maior, quero viajar mais, quero ser uma boa profissional, quero ser mãe, quero uma família comum, quem sabe a típica de classe média. Mas tudo dentro dos meus próprios critérios, sem comparação, sem referência. Tudo à minha maneira.
Hoje tenho um emprego simples. Sou tratada de igual para igual por todos. Ando no mesmo ônibus que minha chefe, que o alto executivo, que o peão de obra (que diga-se de passagem, tem alto salário aqui). Vou ao mesmo restaurante que eles, sou tratada com dignidade, mesmo tendo um trabalho simples e sendo imigrante. Vamos ao mesmo médico e pegamos a mesma fila do hospital, sem privilégios. É engraçado, quando as pessoas me vêem trabalhando (preparando café), reconhecem que sou imigrante por causa do meu sotaque enquanto converso com os clientes. Regularmente me perguntam a quanto tempo estou morando no Canadá. Quando respondo, eles me dão "parabéns" por já ter conseguido um trabalho, sim, por ter conseguindo um trabalho. Por outro lado, quando falo para algum conhecido no Brasil que estou empregada numa cafeteria, existe o julgamento, a indignação por ter largado uma "boa vida" no Brasil para viver uma "vida de pobre" aqui (isso é como eles enxergam). Eu mesmo não os condeno por estes pensamentos. Talvez eu pensasse assim no passado. Aprendi aqui a enxergar tudo de outra maneira. E não, eu não sou pobre, apenas reconheci o valor de coisas simples e o "desvalor" de banalidades, conheci a riqueza dos momentos e a pobreza excessiva do materialismo competitivo.
Hoje, vendo tudo por outra perspectiva, sinto-me feliz. E este sentimento de forma verdadeira, sem publicidade com milhares de fotos e nomes em redes sociais, é muito bom. Aqui sinto que estou numa enorme batalha, assim como estava no Brasil. Mas a principal diferença é que hoje fui eu quem a escolheu, da minha maneira, atrás dos meus verdadeiros objetivos, com humildade, simplicidade, autenticidade e sem nenhuma comparação. Não tenho ninguém em volta para me referenciar, por que aqui cada um leva a vida da forma que quer, se veste como quer, anda como quer. E é desta maneira que cada um tem a sua individualidade, no que diz respeito ao próprio modo de vida que optou, mas com o senso de comunidade e igualdade em relação a todos a volta. É outro mundo.
No fim, assim como fui criada pelo meu universo do passado, tive mais um momento individualista, e por que não dizer egoísta? Pensei nos meus sonhos, no que eu queria para mim mesma e corri atrás daquilo que me parecia bom. Não sou perfeita, muitas vezes me vi afundada e cega em todo este cenário que descrevi. Apenas resolvi abrir meus olhos e buscar algo diferente que poderia fazer bem para mim, já que eu não estava satisfeita naquela vida automática de tentar ser melhor. Resolvi ser eu mesma, sem marketing, sem máscara. E por mais louco que possa parecer, escolhi o caminho mais difícil. O da mudança física e psicológica, de aprender novos valores. Não deixei nada para trás, apenas coloquei as coisas no devido tempo. Vivi o que tinha que ter vivido na hora certa e no lugar certo. Aprendi o que tinha que ter aprendido, agora é um novo momento. Não sei como meus pais encaram tudo isso, mas acho que devem se orgulhar por eu ter resgatado o que eles sim me ensinaram desde criança.
E quer saber? Eu acredito que temos que viver para ser feliz. Não é porque nasci em uma terra que a ela eu pertenço. E nada me impede de sair, ir, voltar, voar. E nunca, nunca é tarde para se recomeçar, seja onde for. Como já dizia o poeta chileno Pablo Neruda "O mundo é grande demais para se nascer e morrer no mesmo lugar”. Hoje me sinto livre, quem sabe um dia não queira me prender novamente. Não dá para saber o que vamos querer no futuro né?!
A ambição existe, é claro. Quero uma casa maior, quero viajar mais, quero ser uma boa profissional, quero ser mãe, quero uma família comum, quem sabe a típica de classe média. Mas tudo dentro dos meus próprios critérios, sem comparação, sem referência. Tudo à minha maneira.
Hoje tenho um emprego simples. Sou tratada de igual para igual por todos. Ando no mesmo ônibus que minha chefe, que o alto executivo, que o peão de obra (que diga-se de passagem, tem alto salário aqui). Vou ao mesmo restaurante que eles, sou tratada com dignidade, mesmo tendo um trabalho simples e sendo imigrante. Vamos ao mesmo médico e pegamos a mesma fila do hospital, sem privilégios. É engraçado, quando as pessoas me vêem trabalhando (preparando café), reconhecem que sou imigrante por causa do meu sotaque enquanto converso com os clientes. Regularmente me perguntam a quanto tempo estou morando no Canadá. Quando respondo, eles me dão "parabéns" por já ter conseguido um trabalho, sim, por ter conseguindo um trabalho. Por outro lado, quando falo para algum conhecido no Brasil que estou empregada numa cafeteria, existe o julgamento, a indignação por ter largado uma "boa vida" no Brasil para viver uma "vida de pobre" aqui (isso é como eles enxergam). Eu mesmo não os condeno por estes pensamentos. Talvez eu pensasse assim no passado. Aprendi aqui a enxergar tudo de outra maneira. E não, eu não sou pobre, apenas reconheci o valor de coisas simples e o "desvalor" de banalidades, conheci a riqueza dos momentos e a pobreza excessiva do materialismo competitivo.
Hoje, vendo tudo por outra perspectiva, sinto-me feliz. E este sentimento de forma verdadeira, sem publicidade com milhares de fotos e nomes em redes sociais, é muito bom. Aqui sinto que estou numa enorme batalha, assim como estava no Brasil. Mas a principal diferença é que hoje fui eu quem a escolheu, da minha maneira, atrás dos meus verdadeiros objetivos, com humildade, simplicidade, autenticidade e sem nenhuma comparação. Não tenho ninguém em volta para me referenciar, por que aqui cada um leva a vida da forma que quer, se veste como quer, anda como quer. E é desta maneira que cada um tem a sua individualidade, no que diz respeito ao próprio modo de vida que optou, mas com o senso de comunidade e igualdade em relação a todos a volta. É outro mundo.
No fim, assim como fui criada pelo meu universo do passado, tive mais um momento individualista, e por que não dizer egoísta? Pensei nos meus sonhos, no que eu queria para mim mesma e corri atrás daquilo que me parecia bom. Não sou perfeita, muitas vezes me vi afundada e cega em todo este cenário que descrevi. Apenas resolvi abrir meus olhos e buscar algo diferente que poderia fazer bem para mim, já que eu não estava satisfeita naquela vida automática de tentar ser melhor. Resolvi ser eu mesma, sem marketing, sem máscara. E por mais louco que possa parecer, escolhi o caminho mais difícil. O da mudança física e psicológica, de aprender novos valores. Não deixei nada para trás, apenas coloquei as coisas no devido tempo. Vivi o que tinha que ter vivido na hora certa e no lugar certo. Aprendi o que tinha que ter aprendido, agora é um novo momento. Não sei como meus pais encaram tudo isso, mas acho que devem se orgulhar por eu ter resgatado o que eles sim me ensinaram desde criança.
E quer saber? Eu acredito que temos que viver para ser feliz. Não é porque nasci em uma terra que a ela eu pertenço. E nada me impede de sair, ir, voltar, voar. E nunca, nunca é tarde para se recomeçar, seja onde for. Como já dizia o poeta chileno Pablo Neruda "O mundo é grande demais para se nascer e morrer no mesmo lugar”. Hoje me sinto livre, quem sabe um dia não queira me prender novamente. Não dá para saber o que vamos querer no futuro né?!