quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

- Ser melhor x Ser igual


Entre os post que mostram passagens da nossa vida em terras geladas, também tem que ter alguns de reflexão, não tem jeito. Desta vez resolvi escrever um pouco sobre mais alguns motivos desta mudança de vida, e cada vez mais, percebo que tudo acontece quando tem que ser. Por isso, acho que eu vivi no Brasil na hora certa. Na minha geração (nasci em 1980) as pessoas foram criadas para "concorrer" e ganhar, quero dizer, para cada um ser melhor na individualidade. É difícil avaliar isso somente como algo ruim, porque tenho que reconhecer que esta criação foi o que me fez ser batalhadora, forte e ambiciosa o suficiente para enfrentar os meus medos e correr atrás dos meus sonhos. Por isso digo que vivi no Brasil na hora certa, no tempo de aprender isso tudo e não ser acomodada. Mas hoje, estando de fora deste cenário, vejo o outro lado desta "moeda". Eu vou explicar. 

Tenho a sensação de que durante a fase da minha educação e desenvolvimento como pessoa fui envolvida sempre por ambientes competitivos. E não estou falando da criação dada pelos meus pais, porque eles sempre me ensinaram a ajudar as pessoas em volta e compartilhar tudo o que fosse possível. Eu me refiro à educação escolar e todas as situações externas ao meu círculo familiar. Durante muito tempo ouvi que devia ser uma pessoa esforçada para estar entre os melhores, e portanto eram constantes os incentivos para correr atrás disso. Na escola por exemplo, lembro-me claramente de situações que estimulavam a concorrência entre as crianças. Professores faziam competições do desenho mais legal. As provas de maiores notas eram mencionadas em voz alta. Os melhores trabalhos eram fixados em painéis. Sem falar na premiação das feiras de ciência, pois não bastava a sua exposição e esforço, tinha que se destacar. Em simulados as notas eram divulgadas em listas pelos corredores, e assim todo mundo poderia olhar a nota de todo mundo. Aí você vai crescendo e a competição continua, o ranking do vestibular é exposto publicamente, e mais uma vez não bastava conseguir entrar em uma universidade, tinha que ser na federal e estar entre os primeiros lugares (???). O tempo vai passando e você começa a se preparar para a vida profissional. Escolhe uma área para trabalhar e inicia a construção de uma ultra-super-mega carreira, de preferência na "profissão do futuro". Claro que você não pode ser mais um no mercado, afinal, ouve-se constantemente que não tem espaço para todos né?! Aí vem a faculdade, pós graduação, um milhão de cursos complementares, aprende vários idiomas, e tudo isso porque você deve estar a frente de todos. O que eu quero dizer é que em todo o momento eu estava competindo com alguém (ou "alguens"), fosse direta ou indiretamente. Não me recordo de nenhuma situação em que aquela frase "o importante é competir" realmente tenha sido aplicada, ou "o que vale é a intenção". Não importava o esforço, tinha que estar no topo. Não podia ter nota na média, tinha que estar acima. Não bastava dançar ballet, tinha que fazer um solo. E assim por diante... Lembro-me de um professor de física, chamado Beto, que uma vez disse que nós alunos não poderíamos batalhar por uma típica vida de classe média, pois isso era muito medíocre (???). Meio pesado para um adolescente de 16 anos, não é?!

Claro que concorrência existe em todo lugar, isso é normal e até saudável pois é o que faz as pessoas crescerem e evoluírem. Mas o problema é que isso passou a ser um conceito não apenas profissional, mas parte da vida. É isso mesmo, você tem que ser o melhor da sua área, ter o melhor corpo, a melhor casa, o melhor carro, o maior patrimônio, ter o melhor filho, ser a melhor mãe/pai, etc. De repente você nem sabe mais o que está fazendo, apenas se enxerga em uma corrida desenfreada na qual alguém vencerá. O pior é que o conceito de "melhor" está diretamente relacionado à comparação certo? Não dá para ser melhor sozinho. Então tudo o que se faz passa a ser balizado em algo, ou neste caso, em alguém. A questão é que a minha geração não foi criada para dividir, respeitar, ou simplesmente ser feliz, mas para competir e ganhar. Não é a toa que não existe o senso de comunidade e igualdade hoje em dia, afinal, é a minha turma que são os adultos de hoje. Existe apenas a idéia de superioridade e inferioridade. No Brasil é assim, você sempre está melhor que um e pior que outro, nunca no mesmo nível. Ah! Vai te catar! Que coisa cansativa! Isso desgasta qualquer um, tira energia!

As conversas entre amigos são sobre o carro novo, o aumento do patrimônio, a promoção no trabalho, o bônus, destinos das várias viagens, sobre quem sabe mais sobre determinado assunto, etc. É óbvio que todos querem receber reconhecimento pelas conquistas, mas a pergunta é até onde isso tudo é pessoal. Até onde as coisas são feitas por si próprio ou pelos outros. Na realidade, a vida tem passado no automático e num ritmo imposto pelo mundo a volta sem que as pessoas se perguntem o que realmente querem. Basicamente passamos por uma lavagem cerebral. Você tem que crescer na vida e ponto, sem chance de errar, afinal, falhar é coisa de perdedor. No Brasil erro é igual a fracasso. Sabe quantas vezes ouvi "você não tem direito de errar"? Ninguém pode desistir, mudar, recomeçar.  Eu não sei quando aconteceu esta mistura de competitividade profissional e pessoal. O que eu quero dizer é que a saudável concorrência no trabalho invadiu a vida em todos os âmbitos, e os objetivos hoje são mais referenciados nos outros do que nos próprios sonhos. E toda esta concorrência só tem aumentado a individualidade. Virou uma moda do "um por si e Deus por todos". E por conta do excesso de esforço e super ego, o brasileiro adquiriu a mania de achar que tem todos os direitos, mas que não tem nenhum dever. As pessoas só esperam receber e esquecem que têm que dar. Será que isso é apenas reflexo da desigualdade social? Ou uma questão cultural? Não sei a reposta. Não sou nenhuma especialista no assunto. Estou apenas desabafando um pouco...

Mas hoje me vejo em outra perspectiva. E feliz por ter pensado nisso tudo e saído a tempo de "me recuperar". E este é o outro lado da moeda. A educação que me fez ser forte e ambiciosa quando criança é a mesma que estava me sufocando agora como adulta. Só percebi isso no dia que me perguntei "O que estou fazendo? Por que minha vida está assim? É isso que eu quero?" Eu me via no final dos dias sem energia, sem forças. Eu trabalhava, trabalhava e trabalhava muito. Para conseguir sei lá o quê. Para conquistar sei lá o quê. E a justificativa para mim mesma é que todo esforço era para o meu crescimento. Mas crescer até onde??? Para quê? A que preço? Ah não! Eu estava escrava num mundo sem escravidão. Sim, escrava da sociedade e do "ideal" imposto por todos.

Optei por sair do Brasil e fugir desta cultura na qual eu pertencia. Claro que pago um preço bem alto pela minha escolha, pois vivo longe da minha família, e isso é algo que não mencionarei aqui no post pois como já disse anteriormente, família não entra na avaliação, caso contrário eu jamais teria vindo para estes lados. Outro dia o maridão perguntou se eu tinha saudades do Brasil, respondi que não, mas que tinha dos momentos vividos lá, das conversas despretensiosas e inocentes tomando cerveja e comendo qualquer porcaria, sem marca, em algum lugar desconhecido, com amigos de verdade. Mas grandes momentos como estes foram ficando raros. Passei a viver muita coisa séria e pouca coisa divertida. Não culpo ninguém, talvez a mim mesma por ter permitido que minha vida entrasse neste caminho no qual me perdi e não consegui me encontrar novamente.


A questão é que aqui me sinto livre da comparação, livre da concorrência desenfreada, livre da obrigação de ser melhor; na prática, livre para ser feliz ao meu modo. Me sinto livre para crescer, sem necessariamente passar por cima de alguém, livre para ficar onde estou sem que ninguém passe por cima de mim. Aqui sou livre para ser igual. Com direitos e deveres na mesma proporção. Tenho regras a seguir, mas como eu, todo mundo tem. Tenho direitos, mas assim como eu, todo mundo tem. Tenho deveres, mas assim como eu, todo mundo tem.

A ambição existe, é claro. Quero uma casa maior, quero viajar mais, quero ser uma boa profissional, quero ser mãe, quero uma família comum, quem sabe a típica de classe média. Mas tudo dentro dos meus próprios critérios, sem comparação, sem referência. Tudo à minha maneira.

Hoje tenho um emprego simples. Sou tratada de igual para igual por todos. Ando no mesmo ônibus que minha chefe, que o alto executivo, que o peão de obra (que diga-se de passagem, tem alto salário aqui). Vou ao mesmo restaurante que eles, sou tratada com dignidade, mesmo tendo um trabalho simples e sendo imigrante. Vamos ao mesmo médico e pegamos a mesma fila do hospital, sem privilégios. É engraçado, quando as pessoas me vêem trabalhando (preparando café), reconhecem que sou imigrante por causa do meu sotaque enquanto converso com os clientes. Regularmente me perguntam a quanto tempo estou morando no Canadá. Quando respondo, eles me dão "parabéns" por já ter conseguido um trabalho, sim, por ter conseguindo um trabalho. Por outro lado, quando falo para algum conhecido no Brasil que estou empregada numa cafeteria, existe o julgamento, a indignação por ter largado uma "boa vida" no Brasil para viver uma "vida de pobre" aqui (isso é como eles enxergam). Eu mesmo não os condeno por estes pensamentos. Talvez eu pensasse assim no passado. Aprendi aqui a enxergar tudo de outra maneira. E não, eu não sou pobre, apenas reconheci o valor de coisas simples e o "desvalor" de banalidades, conheci a riqueza dos momentos e a pobreza excessiva do materialismo competitivo.

Hoje, vendo tudo por outra perspectiva, sinto-me feliz. E este sentimento de forma verdadeira, sem publicidade com milhares de fotos e nomes em redes sociais, é muito bom. Aqui sinto que estou numa enorme batalha, assim como estava no Brasil. Mas a principal diferença é que hoje fui eu quem a escolheu, da minha maneira, atrás dos meus verdadeiros objetivos, com humildade, simplicidade, autenticidade e sem nenhuma comparação. Não tenho ninguém em volta para me referenciar, por que aqui cada um leva a vida da forma que quer, se veste como quer,  anda como quer. E é desta maneira que cada um tem a sua individualidade, no que diz respeito ao próprio modo de vida que optou, mas com o senso de comunidade e igualdade em relação a todos a volta. É outro mundo.

No fim, assim como fui criada pelo meu universo do passado, tive mais um momento individualista, e por que não dizer egoísta? Pensei nos meus sonhos, no que eu queria para mim mesma e corri atrás daquilo que me parecia bom. Não sou perfeita, muitas vezes me vi afundada e cega em todo este cenário que descrevi. Apenas resolvi abrir meus olhos e buscar algo diferente que poderia fazer bem para mim, já que eu não estava satisfeita naquela vida automática de tentar ser melhor. Resolvi ser eu mesma, sem marketing, sem máscara. E por mais louco que possa parecer, escolhi o caminho mais difícil. O da mudança física e psicológica, de aprender novos valores. Não deixei nada para trás, apenas coloquei as coisas no devido tempo. Vivi o que tinha que ter vivido na hora certa e no lugar certo. Aprendi o que tinha que ter aprendido, agora é um novo momento. Não sei como meus pais encaram tudo isso, mas acho que devem se orgulhar por eu ter resgatado o que eles sim me ensinaram desde criança.

E quer saber? Eu acredito que temos que viver para ser feliz. Não é porque nasci em uma terra que a ela eu pertenço. E nada me impede de sair, ir, voltar, voar. E nunca, nunca é tarde para se recomeçar, seja onde for. Como já dizia o poeta chileno Pablo Neruda "O mundo é grande demais para se nascer e morrer no mesmo lugar”. Hoje me sinto livre, quem sabe um dia não queira me prender novamente. Não dá para saber o que vamos querer no futuro né?!



quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

- Início do trabalho - a vez dela - quando o simples vira complicado



É isso aí, já fazem dois meses que estou trabalhando na cafeteria! Agora já posso contar um pouco desta aventura. Sim, esta é a palavra que eu quero usar para descrever a minha nova rotina "profissional", pois foi quando algo que deveria ser simples ficou extremamente complicado. Então vamos lá... 

Para começar, é importante deixar claro que eu sou aquele tipo de pessoa chatinha que gosta de tudo correto. Tenho um certo pavor em pensar que estou fazendo as coisas erradas ou não dando um resultado bom (pelo menos satisfatório) para qualquer coisa que seja. Então sabendo disso, vamos ao caso.... 

Tudo se tornou oficial quando recebi em casa uma carta com algumas informações da empresa, contando um pouco a história da marca, agendando a data e hora do meu primeiro dia e descrevendo o "dressing code", ou seja, as regras das vestimentas. Mas nada falava exatamente de como seria o trabalho, shift (escala de trabalho), benefícios e salário. Salário??? Isso mesmo, eu hão fazia a menor idéia de quanto e como receberia o $$$$. Sei que parece loucura, mas no tal workshop sobre entrevista que eu participei, fui instruída a não perguntar sobre valores na entrevista, e assim eu fiz. Disseram que as empresas apresentariam todos os detalhes das vagas na proposta de trabalho caso fossem oferecer a vaga. Pensando nisso, eu esperava que estas informações viriam por escrito, mas isso não aconteceu. Eu estava preocupada com a falta de detalhes, pois no fim das contas não tinha a menor idéia do que aconteceria. O marido sugeriu que eu ligasse para a gerente para esclarecer tudo. Claro que não fiz isso. Imagina eu perguntando tudo com o meu "super inglês fluente"? E por telefone? Nem pensar!!! Resolvi que descobriria tudo no primeiro dia mesmo. Óbvio que foi loucura, mas vamos combinar, não poderia ser menos que o salário mínimo, eu já havia passado os horários que estaria disponível para trabalhar e a empresa é de grande porte e de marca forte. Certamente não daria para ser algo de outro mundo né, pelo menos escravidão não está mais na moda (kkkkkk). Além do mais, aqui no Canadá as regras para este tipo de trabalho simples são bem rígidas e claras. E mais do que isso, é claro que eu queria (e precisava) de $$$$, mas o principal objetivo era o inglês, então, qualquer coisa já seria lucro. E foi tão difícil arrumar esta vaguinha, então eu não queria complicar mais as coisas.

No primeiro dia tudo foi esclarecido. Cheguei lá uniformizada de acordo com o dressing code, recebi as boas vindas da gerente, assinei o contrato e ela passou o dia todo só conversando comigo, falando da empresa, da sua política, o que esperava de mim, o que eu deveria esperar da empresa, etc, etc, etc. Enfim, tudo as claras. E para agregar, recebi um kit composto por alguns livros falando tuuuuuuudo da empresa. Então eu já estava tranquila! E o melhor de tudo, segundo a gerente, eu teria 15 dias só de treinamento. Tudo bem que na prática foram apenas 6, mas ainda assim, não fui jogada aos leões (clientes) logo de cara.


Depois do primeiro dia, inevitavelmente tem que ter o segundo. E o treinamento começou. Aí foi "F O D @ # % ". Milhares de instruções e, óbvio, tudo em inglês!!!! Mas inglês dos nativos né, ou seja, ninguém falava devagar para a Priscila entender, sem contar as expressões idiomáticas e gírias. Querendo ou não, os colegas estavam no dia a dia deles e portanto nada de café com leite para a imigrante. Eu não entendia nem metade do que falavam, só respondia com aquelas expressões de compreensão: "ok, ok, ok, alright, yeah, hummm, ahhhhhh, great, I see, etc". Depois da lavagem cerebral no trabalho, eu chegava em casa, tentava me afogar na banheira, não conseguia, e me preparava para dormir e tentar tudo outra vez no dia seguinte. E vinha mais fingimento de compreensão do tipo: "ok, ok, ok, alright, yeah, hummm, ahhhhhh, great, I see, etc". Um verdadeiro nó na minha cabeça!!!! 

Mas como para os olhos inglês não significa nada, aprendi tudo na base da observação. Além disso, tentei decorar todas as receitas de "drinks" de inverno, porque naturalmente seriam as mais pedidas já que comecei no final do ano. Juro que são mais de 50 opções sem falar nas customizações. E meu plano deu certo? Mais ou menos, porque também tive que aprender a fazer o "caixa". Se preparar bebida estava "F O D @ # %"  pegar pedido e conversar com os clientes estava "F O D @ # % Í S S I M A" ao quadrado. E para piorar, os queridos clientes partiam do princípio que eu sabia o que estava fazendo. E não precisa nem mencionar a confusão. A supervisora na maior paciência e sorriso no rosto ia tentando administrar a situação. Coitada!!! A princípio achei que eu não falaria com os clientes pois a gerente sabia da minha restrição de comunicação quando me contratou. Mas nada disso, fui tratada como canadense mesmo!!!!  

Mas aí o tempo vai passando e você vai se acostumando com a cara de paisagem, com os foras, com a conversa sem pé nem cabeça, enfim, com tudo que faz parte da rotina do imigrante analfabeto e consegue ir levando. Também não sou nenhuma pessoa burra, incapaz ou imatura para não saber lidar com as situações que apareciam (rsssssss). O problema estava mais relacionado a mim mesma. Independente do tipo de trabalho, eu queria fazer tudo certo. Era mais uma questão de comprometimento pessoal, porque honestamente, ninguém estava me cobrando nada e diziam que eu devia ter paciência, pois realmente eu precisaria de tempo para aprender (diziam em média uns três meses).  Mas sabe como é, eu não aceitava isso de maneira nenhuma, porque eu enxergava aquilo tudo como algo simples e não admitia demorar mais de um mês para aprender as coisas da cafeteria. No fim das contas, depois de duas semanas passei por um "teste" para saberem no quer deveriam reforçar meu treinamento. Fui bem e não precisei passar por nenhum reaprendizado. Inclusive recebi um parabéns da gerente que disse que estava impressionada com o meu desempenho de acordo com o tempo de trabalho. Mas vamos esclarecer que não sou mais uma adolescente que levo tudo na brincadeira. Para mim, tudo relacionado a trabalho é levado a sério e eu não queria de maneira nenhuma ser um peso para a loja, já bastava o meu péssimo inglês. E lembrando meu jeito de ser, qualquer coisa que me proponho a fazer eu me dedico ao máximo para oferecer o melhor que eu posso. Lembrando que decorei as receitas de todas (pelo quase todas) bebidas né?! 

Depois de dois meses, digo que ainda sofro em fazer o caixa, mas mais uma vez por uma questão de avaliação própria. Não é nada demais, dá para encarar, mas para mim ainda é algo cansativo. Chego no final do shift às vezes meio desgastada nos dias que tenho que só fazer caixa. Mas a parte de "drinks" já estou craque!!! Sei disso pois outras duas pessoas que começaram no mesmo dia que eu não fazem nem metade do que eu faço. Não sou nenhuma heroína, apenas uma pessoa dedicada. E percebo isso porque atualmente a gerente faz as minhas escalas para horários de movimento sei nenhum colega antigo junto para acompanhar. Apenas eu comigo mesma :) É engraçado como me sinto feliz por algo tão simples. De repente os pequenos desafios viram enormes batalhas. E cada passinho a mais que eu e o marido damos, é mais um avanço e uma conquista nesta história de imigração. E isso é tão legal! Dar valor às pequenas coisas!!!

E os clientes? De todos os tipos e personalidades. Mas a maioria é bem legal e até tentam conversar bastante comigo. Uns querem até ajudar (kkkkkkk). Outros já me deram apelido e, por causa do meu sotaque forte, muitos (a maioria) pergunta de onde eu venho. Aí é só mencionar Brasil que o papo começa a rolar. Sempre tem assunto. Eu me divirto, falo do país, treino meu inglês e vou aprendendo a interagir com a cultura local. Afinal, este é e sempre foi o objetivo deste trabalho. 

Mas claro que tem os clientes "malas". Tem uns que são expert na marca e sabem mais do que os próprios funcionários. Existe o tipo que adora personalizar o "drink" de toads as formas e usa o máximo de possibilidades possíveis. Estes são os piores: "Could I have a triple grande + decaf + soy milk + half sweet + extra hot + light foam + vanilla latte + caramel drizzle?". Meus Deus, o que é isso????? Não pode ser só um café com leite não? Tipo uma média que vende lá no boteco no Brasil e todo mundo adora???? Não, claro que não pode Priscila!!!!! Também tem aqueles que são frequentes e acham que você tem a obrigação de saber o que eles querem e fazem o pedido dizendo "o de sempre". E eu fico com aquela cara de paisagem e pergunto sem graça: "Mas qual seria 'o de sempre' amigo? Desculpa, eu sou nova e se você puder me esclarecer isso prometo na próxima vez saber qual é o seu 'de sempre', pode ser?!" Afe! Não tem jeito, cliente é cliente em qualquer lugar do mundo! 

E entre todos os clientes, já tenho os meus preferidos: "cops" (policiais). Ao lado da loja que eu trabalho tem uma delegacia e naturalmente os policiais vivem por lá. São os mais legais, posso garantir. Sempre conversam comigo, são gentis, pacientes e alguns deles vão para o Brasil na copa do mundo. Então nem precisa falar quanta conversa rola com eles. Alguns deles chegam por lá e perguntam: "where is the brazillian girl?" (onde está a garota brasileira). E não pensem que eles são super leigos em relação ao Brasil, pelo contrário, vivem lendo a respeito do país e conversando comigo sobre o que leram, confirmando se é verdade ou não. E ainda tem uns que são fãs do "capitão Nascimento", personagem do filme "Tropa de Elite". Dá para acreditar? São uns fofos!!! São pessoas que valem a pena sabe?!  

É isso aí pessoal, a minha rotina está bem pesada, cheia de aventuras, foras, constrangimentos, conquistas, alegrias, tristeza, tudo junto e misturado. Tento conciliar estudos com casa, trabalho, marido e Jesse. Não está fácil e acho que não é para qualquer um. Mas para mim, ainda está funcionando e estou correndo atrás da minha adaptação ao país. Todo dia descubro algo novo e aprendo mais, não apenas questões de inglês, mas questões de vida. E digo mais, ser imigrante não é para qualquer um. Eu poderia contar nos dedos (de uma única mão) as pessoas que eu conheço que aceitariam passar o que estou vivendo atualmente, que colocariam o avental verde e fariam o meu trabalho feliz da vida. Hoje, eu e o marido estamos focados em resultados que só virão láááááá na frente, no risco, na cara e na coragem. Tenho orgulho todos os dias de nós dois, por nossas escolhas e batalhas. E o futuro? Só a vida para nos mostrar!  

É claro que lá na frente pode ser que as coisas não dêem o resultado desejado. Mas o melhor de tudo é ter a sensação diária de que estamos correndo atrás daquilo que acreditamos, que estamos quebrando a rotina esperada e imposta pelo mundo a volta, que tivemos coragem de sair da posição de conforto, que somos capazes de enfrentar as batalhas. E além disso tudo, sabemos que no futuro poderemos dizer que não deixamos nossa vida passar em branco, corremos atrás das nossas crenças e poderemos olhar para trás e perceber tranquilamente que "tentamos" algo valioso: viver.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

- Procura do emprego (a vez DELA) - parte 3




Como já falado no outro post "Procura do emprego (a vez DELA) - parte 2", fui atrás ajuda profissional como suporte nesta fase de busca de trabalho. Como parte do programa, participei de um workshop sobre "entrevista de emprego". A idéia basicamente era preparar os participantes para uma entrevista de acordo com a cultura canadense. E quer saber????? Isso abriu minha cabeça e realmente ajudou a me preparar para futuras entrevistas, pois me fez entender melhor os costumes locais e, principalmente, ver a mim mesma nos mínimos detalhes. Querendo ou não, já fazia mais de 10 anos que eu não passava por uma entrevista e nem sabia mais como era isso (rssssss). E assim, enquanto mandava currículos por aí, fui me preparando psicologicamente para uma futura conversa "profissional".
Depois de um tempo distribuindo Rèsumè e preenchendo formulários sem fim, fui finalmente chamada para a minha primeira entrevista em uma loja de brinquedos. Não vou citar nomes, mas é aquela marca de grande porte famosa que toda criança gosta, que tem espalhada por todo os EUA. Ligaram no meu celular e este foi primeiro desafio: agendar o dia. Como todos sabem, para quem está aprendendo algum idioma, ligações telefônicas são um verdadeiro drama. Por causa do meu péssimo inglês, eu só entendi a palavra "interview" (entrevista). Pedi que repetissem o local e a hora e tentei anotar qualquer coisa. Não queria mostrar meu analfabetismo assim logo de cara... Lembro que quando desliguei o telefone não sabia se ria ou chorava. Eu estava feliz porque haviam me ligado, e triste porque não havia entendido muita coisa, nem qual era da empresa que estava me chamando. Mas tudo bem, pelo menos o endereço, data e hora eu havia conseguido anotar. Acabei descobrindo qual seria a empresa através da busca pelo endereço no "santo google". A vaga era para um trabalho temporário para p período de fim de ano, assim como eu havia planejado inicialmente. E chegou o tal dia, um domingo. Eu estava lá no local na hora combinada, arrumada, preparada e com currículo em mãos. Estava super nervosa, o que não ajudou em nada. A entrevista durou 20 minutos e saí de lá super mal, porque pelo tempo de conversa era sinal de que eu não havia ido bem. Mas também não tinha muito o que conversar pelo tipo de trabalho. Passado alguns dias não tive nenhum retorno. Não precisa nem falar a decepção né. Talvez os entrevistadores (no plural mesmo porque foram dois) acharam que eu não seria capaz de empilhar os brinquedos na prateleira ou não pudesse fazer um lindo embrulho de natal. Eu queria me matar!!!! Depois de anos tentando ser boa profissional não fui capaz de convencer uma empresa de brinquedo a me contratar para um trabalho simples e temporário :(

Masssssssss, independentemente desta falta de resposta, não podia desistir, então continuei a saga da entrega de currículos. Até que mais duas empresas me chamaram. O engraçado é que ambas me ligaram no mesmo dia e agendaram as entrevistas também para a mesma data. Devo apenas acrescentar mais um detalhe fundamental nesta história. No caso destas empresas, além do processo on-line que eu participei preenchendo formulários e respondendo bilhões de perguntas, entreguei meu currículo em mãos dos gerentes durante uma feira de emprego. Quando fui a este evento, eu já havia feito toda a burocracia pelo site das respectivas e, quando dei meu Rèsumè aos responsáveis que estavam presentes no dia, cheguei a mencionar isso. Estou comentando este detalhe porque só consegui estas entrevistas por causa disso. Primeiro pelo contato pessoal e, segundo, porque os gerentes puderam pegar o meu perfil e avaliação no sistema deles. O que eu quero dizer é que a combinação "on-line" + "currículo em mãos" resultaram na oportunidade de entrevista. Ok, até aí eram só entrevistas, ainda precisava convencê-los de que eu seria a pessoa certa. E claro, depois da primeira que não deu em nada, eu estava super preocupada!

E lá estava a Priscila mais uma vez "quase pronta" para as entrevistas. Digo "quase" porque desta vez fui super insegura. A primeira do dia foi em uma empresa que vende móveis e acessórios para casa. Desta vez por algum motivo inexplicável fui bem melhor. Duas pessoas me entrevistaram e eu me senti bem mais confortável. Mesmo com a dificuldade do inglês, eu percebia que respondia as coisas certas pelas expressões faciais e anotações que os entrevistadores faziam. Aí conforme a conversa ia rolando, eu ia me sentindo mais segura. No final, o gerente chegou a mencionar que gostou do meu perfil e conseguia pensar em três posições para mim, todas na área de venda como trabalho temporário para o período do final de ano. Como sempre, eu deveria aguardar alguns dias para qualquer retorno. Naturalmente sai bem mais confiante desta empresa e aí fui toda feliz para a segunda. 

A outra entrevista foi em uma Cia de Café, daquela marca famosa do logotipo verde que tem em todo canto da América do Norte. A marca é esta mesmo que você está pensando!!! A posição seria como barista, que é aquela pessoa que fica preparando as bebidas.  A conversa foi super legal e a gerente mega amigável e paciente com o meu inglês. Ela foi super fofa! Mas além de toda a receptividade, eu estava mais segura. Primeiro porque a entrevista anterior já havia me "aquecido" e depois, porque eu sabia muita coisa desta empresa. Quando me formei em marketing (ainda no Brasil), fiz um estudo de caso em uma das matérias sobre esta marca, então eu sabia muita coisa que deveria responder de acordo com a política da Cia. Isso facilitou o meu preparo e me deixou feliz porque pude usar um pouco do meu conhecimento adquirido no Brasil. No final da conversa, a gerente disse que achava que poderia me considerar para a vaga mas que eu ainda deveria falar com uma outra pessoa na semana seguinte, como parte do processo de seleção. E assim eu fiz, como se não bastasse o sofrimento de uma entrevista, lá fui eu novamente conversar com outra pessoa. Tudo isso para servir café!!!! Desta vez a pessoa não foi tão amigável, pelo contrário, foi bem fria. Isso até me impressionou um pouco porque em teoria este comportamento sai um pouco do perfil da empresa e do comportamento do próprio canadense. Mas não havia opção, tinha que convencê-la também de que eu me encaixava na vaga. No fim, o mesmo papo: "obrigada por ter vindo, por favor, aguarde um retorno nas próximas semanas". Enquanto eu esperava os tais retornos, continuei a mandar currículos. Não aguentava mais!!!

Passada duas semanas das entrevistas, recebi uma ligação da Cia de Café dizendo que ficariam muito felizes em me oferecer uma vaga se eu ainda estivesse "available". Imagina a resposta né?! Sem nenhum tipo de charme aceitei na hora! Disse de cara que estava super contente com a oportunidade e que eu faria um bom trabalho para eles. A tal pessoa falou que eu receberia em alguns dias informações detalhadas sobre a vaga e tudo mais. E dois dias depois recebi mesmo outro telefonema, já da gerente, confirmando meu endereço para mandar instruções pelo correio. 

Por coincidência, neste mesmo dia uma pessoa do RH da empresa de móveis me ligou oferecendo uma posição. Acredita nisso????? Uma hora estou no desespero procurando emprego, e de repente estou com duas propostas! Neste caso, eu agradeci a oportunidade mas já acabei dizendo que havia aceitado o trabalho em outra empresa. Por incrível que pareça, no dia seguinte o gerente desta loja de móveis me ligou pessoalmente tentando me convencer a trabalhar para eles. Eu nem acreditava. Realmente ele queria me contratar. Eu expliquei que já havia tomado minha decisão para o momento, e justifiquei que a vaga pela qual eu tinha optado não era para trabalho temporário e que isso havia pesado na minha escolha. Na hora ele disse que eu havia me enganado e que a vaga que estava sendo oferecida não era temporária e pediu para eu repensar na minha decisão e que me ligaria novamente para conversarmos em alguns dias.


Aí foi um problema e me vi em um dilema. Conversei bastante com o marido e avaliamos as condições das duas vagas para sabermos o que seria melhor. É claro que de cara eu queria trabalhar na loja de móveis, mas ainda assim paramos para avaliar as duas oportunidades.

Trabalhar fazendo café? Não sabia se isso seria algo bom para mim, fisicamente e psicologicamente falando. Querendo ou não, não é fácil você abrir mão de toda uma experiência profissional adquirida no passado para trabalhar em algo completamente diferente e aparentemente bobo. Não deixava de ser um trabalho simples e eu estava preocupada se isso poderia me desanimar com o passar do tempo. Para adicionar ao caso, a unidade que havia me oferecido a vaga não era perto de casa e eu teria que ir de carro, ou seja, mais custos. Mesmo já tendo aceitado a proposta, eu ainda não havia assinado nada e poderia desistir. Outra coisa que me preocupava é que eu não sabia de seria capaz de exercer o trabalho. Esta história "de não ser capaz" veio a minha cabeça porque a minha conselheira (aquela da empresa que auxilia na procura de emprego) havia me dito anteriormente para não tentar trabalhar para esta específica Cia de Café, porque eu precisaria de um inglês mais avançado para isso. Ela havia explicado que há muitas instruções e que se eu não tivesse um bom inglês não conseguiria acompanhar o ritmo.

No caso da loja de móveis, para mim o único desafio seria o inglês, porque a minha experiência profissional é baseada em arquitetura e vendas, ou seja, eu estaria na minha praia. A loja é super perto de casa e eu poderia ir a pé. O inconveniente é que eu não havia gostado do método de escala de trabalho. Além disso, eu estava super insegura em relação a história da vaga não ser temporária, porque na entrevista eles foram bem claros quanto a isso e explicaram que as contratações que estavam sendo feitas no momento eram para o fim do ano. Lembro-me até deles mencionarem qual seria a data de término do contrato. Fiquei com medo de ir trabalhar lá e depois de passado o prazo inicial, simplesmente me dispensarem dizendo que eu não havia passado na experiência e não me efetivarem. Tudo bem que inicialmente eu estava procurando um trabalho temporário mesmo, mas agora eu tinha a chance de um permanente né?!

Minha cabeça ficou a mil e não sabia o que fazer. Aí fui pedir ajuda para minha professora de inglês. Ela também é imigrante e mora há mais de 10 anos no Canadá. Então achei que ela poderia dar bons conselhos. Ela me sugeriu a cafeteria pois se encaixaria mais nos meus propósitos. Afinal, teria lugar melhor para praticar inglês e aprender "customer service"??? Ela não fez nada além de me lembrar dos meus próprios objetivos, que eram adquirir experiência canadense, conhecer os costumes locais em atendimento ao cliente e praticar inglês. Além disso, a marca da Cia de Café é muito mais forte do que a da loja de móveis. Sendo assim, ela me mostrou qual empresa estaria mais próxima da minha proposta atual. Ela chegou a falar para eu não pensar nos detalhes das vagas, mas para eu pensar no futuro e qual das companhias poderia pesar mais no meu currículo. Cheguei a falar com ela sobre a tal história que a conselheira me falou a respeito do grau de dificuldade do inglês na cafeteria. E sabe o que minha professora respondeu? "Quem tem que decidir se seu inglês é suficiente ou não para o cargo é a empresa, não a conselheira". E ela ainda adicionou: "Qualquer trabalho vai te agregar experiência, não tenha dúvida disso. Mas na minha opinião, não tem trabalho melhor para você treinar inglês e aprender os costumes canadenses do que servindo café. Você só tem que saber se está preocupada com o agora ou com o depois".

No fim, concordei com minha professora e resolvi relembrar meus objetivos. Abri mão dos detalhes das vagas e decidi aceitar a vaga mais difícil: a cafeteria. E quer saber? Fiquei satisfeita com a minha decisão. Em novembro comecei mais um desafio da minha vida. Claro que eu estava apavorada, mas feliz com a oportunidade e com uma sensação de agradecimento por terem me dado a chance.



E como está sendo o trabalho agora???? Mais um post para isso né?!