domingo, 26 de abril de 2015

- Saúde no Canadá (3): nosso caso


Depois de falar sobre o sistema de saúde aqui no Canadá, não há melhor momento para contar a história do Mauricio e todo o processo que ele passou (e tem passado) para se recuperar de uma lesão no joelho praticando esporte. Então senta que lá vem história...

*** Como tudo começou ***

No dia 22 de fevereiro 2014, o maridão machucou o joelho enquanto andava de snowboarding. Já era noite e foi na última descida, a famosa saideira que eu costumo chamar de “descida da teimosia”. Qualquer pessoa que pratica snowboarding/skiing sabe que o corpo tem um limite de tempo para o esporte. Não tem jeito, você pode se preparar para a estação de inverno, fazer exercícios aos montes, ser um super atleta, e mesmo assim o corpo se esgota em algumas horas. Snowboarding e skiing são atividades que exigem muito fisicamente e chega um determinado momento que o corpo simplesmente não responde mais, e é quando a pessoa começa a cair de bobo, por nada, sem motivo algum. E isso é um sinal de que é hora de parar.

E foi mais ou menos assim com o Mauricio. Depois de horas descendo e pulando rampas, ele percebeu que já estava cansado e decidiu que deveríamos ir para casa. Mas claro, ele ainda quis a tal da saideira. Pronto! Acidente na certa! Foi resgatado pela equipe de snowmobile e tudo mais. Ainda na estação ele recebeu um atendimento “expresso”. Aparentemente não havia sido nada sério, apenas tinha machucado a perna. Ele conseguia andar um pouco, mas com bastante restrição. Como já era tarde da noite, optamos em voltar para casa e no dia seguinte avaliar se ele deveria ou não ir ao médico.

No dia que se seguiu (domingo), ele estava com dificuldade para andar e sua perna estava bastante inchada, por isso resolvemos ir ao hospital para que ele pudesse receber uma assistência mais adequada. Depois de longas 4 horas aguardando, desistimos do atendimento. Durante este período de espera, vimos que uma menina havia passado pela mesma experiência que o marido e que o médico do hospital não fez nada demais, apenas a encaminhou para um ortopedista. Vendo isso (mais a falta de perspectiva de um atendimento nas próximas horas) decidimos ir para casa e marcar consulta com a médica de família. Considerando que o procedimento seria apenas ter um encaminhamento para um especialista, era desnecessário passar o dia todo sentado esperando um sinal de qualquer médico. Não adianta, por mais dor e incômodo que ele estivesse sentindo, não era nenhum caso de alto risco. Portanto, chá de cadeira!!!

Um semana depois, a perna dele continuava muito inchada e a dificuldade de andar ainda era grande. Mas ao invés do Mauricio agendar a consulta com a nossa Family Doctor, ele decidiu ir a outro hospital. Na ocasião, um médico bem atencioso o recebeu e fez alguns exames, incluindo Raio-x, e já pré-diagnosticou rompimento dos ligamentos. Imediatamente o indicou para um ortopedista especializado em medicina esportista. Seguindo o padrão canadense, a consulta com o tal ortopedista só deveria acontecer depois de uns 6 meses, mas por muita sorte, o médico do hospital acabou fazendo uma carta de referência pedindo urgência no caso - o que ajudou muito. Quando o marido foi marcar a consulta com o especialista indicado, a recepcionista seguiu a previsão e explicou que só haveria disponibilidade para meses à frente. Mas assim que o Mauricio mencionou a carta do médico do hospital com a solicitação de tratamento com urgência, a história mudou. Na semana seguinte o marido já estava na sala do ortopedista avaliando o caso.

No dia da consulta com o ortopedista, o médico já estava com os resultados dos exames previamente realizados no hospital. Ele deu uma olhada no caso do Mauricio, confirmou o rompimento dos ligamentos e receitou primeiramente antiflamatório, repouso e muito gelo na área machucada para recuperar a perna e os movimentos naturais. Segundo o médico, o Mauricio poderia viver tranquilamente com os ligamentos rompidos pois a perna voltaria ao normal para as atividades simples do dia a dia.

Quanto à prática dos esportes, aí sim poderia haver alguma complicação. Ele explicou que os ligamentos não se recuperam sozinhos quando rompidos completamente, muito pelo contrário, apenas através de cirurgia eles poderiam ser “reconstruídos”. E apesar disso ser assustador, nem todo mundo precisa da operação, pois de acordo com o médico, há três cenários possíveis para casos assim. O ortopedista expôs que 1/3 das pessoas conseguem viver bem sem passar por cirurgia e voltam a fazer os exercícios normalmente após a fase de recuperação da lesão propriamente dita (geralmente gente jovem). Outro 1/3 consegue voltar a fazer alguns exercícios sem fazer a reconstrução dos ligamentos, no entanto, com restrições. O 1/3 restante só volta a fazer exercícios se passar pela operação.

O ortopedista chegou a comentar que uma ressonância magnética demonstraria o problema do joelho com muito mais precisão. Mas infelizmente levariam meses até que o Mauricio conseguisse realiza-la uma vez que há uma longa fila de pacientes aguardando o mesmo exame. Pela matemática do médico, ele conseguiria fazer a cirurgia antes mesmo do agendamento da ressonância. Por isso, ele dispensou o exame e manteve o diagnóstico apenas se baseando nos sintomas e resultados dos raios-x, sugerindo a operação. Nós achamos aquilo tudo muito esquisito, afinal, como submeter um paciente à cirurgia sem ter certeza do que realmente aconteceu? Mas mesmo assim, decidimos confiar no médico pois era um profissional muito bem reconhecido, inclusive responsável pela equipe da seleção de ski do Canadá.

O médico deixou o Mauricio bem a vontade para escolher se passaria por cirurgia ou não, e que se ele quisesse poderia fazê-la após uns 4 meses a partir daquela data. Mas havia um ponto negativo em passar pelo procedimento no momento. A recuperação pós-operatório seria bem sacrificante e exigiria muita dedicação, fisioterapia e tempo. Era estimado uns 12 meses para ter o joelho recuperado após a cirurgia. Pensando nisso, o marido optou em não operar na ocasião pois certamente ele perderia a próxima temporada de inverno. Como o médico disse que havia chance dele voltar a praticar snowboarding sem operar o joelho, o Mauricio resolveu arriscar. O profissional prescreveu um suporte para o joelho, chamado de “brace”, que ajudaria a sustentar a articulação durante a prática de qualquer esporte.

E assim, ficou resolvido que o marido aguardaria a perna desinchar e se recuperar da lesão nas semanas subsequentes adotando as orientações médicas. Depois, voltaria a praticar os esportes rotineiros aos poucos durante o ano de 2014 e faria exercícios para o fortalecimento da região machucada. Na temporada de inverno, ele tentaria praticar snowboarding e, se possível evitar a cirurgia. Caso contrário, ele seria operado logo em janeiro (2015) e teria todo o ano para se dedicar à recuperação.


*** PLANO ***

Enfim, o Mauricio foi bem disciplinado na recuperação da lesão inicial seguindo as orientações médicas. Aguardou a fase do desinchaço, trabalhou bastante na academia para fortalecer a perna e adquiriu o suporte para o joelho recomendado pelo médico. Aliás, o marido também se empenhou em ler tudo o que fosse possível a respeito. E sabe como é né, uma coisa leva a outra. Todos os tipos de produtos que ele via que pudesse ajudar, ele comprava. Em poucos meses nossa casa virou um centro de acessórios para joelho. Havia milhares de faixas e suportes em todos os cantos. Como se isso não bastasse, o marido também comprou uns aparelhos complementares para ajudar na recuperação. Laser, acupuntura eletrônica, ultrassom portátil, balde de gelo especial, entre outras coisas. De tudo isso que ele adquiriu, o médico em si só havia recomendado um único suporte, que foi uma peça que custou somente CAD$ 1,300.00.

No meio de tantos investimentos, não tivemos absolutamente nenhuma ajuda do plano de saúde público. Até este momento, a única coisa que foi coberta pelo sistema do governo foram os médicos (hospital e ortopedista) e os exames de raio-x, e só.

Para a nossa sorte, temos um ótimo plano de saúde particular que faz parte do pacote de benefícios que o marido recebe da empresa que trabalha. Neste caso, nós não pagamos nada pelo plano. É a empresa que o oferece ao funcionário, sem nenhum desconto em folha de pagamento. Sorte mesmo, porque eu não tenho nenhum beneficio no meu emprego. Mas tudo bem, porque a cobertura deste plano também se estende a mim. Aí, no caso do joelho, este santo plano particular milagroso nos reembolsou 100% do valor do suporte prescrito pelo médico, ou seja, os CAD$ 1,300.00. O que foi ótimo!!! Os outros itens foram pagos por nós mesmos pois foram comprados por conta própria, sem prescrição ou indicação de profissional.

No fim das contas, com muito empenho o Mauricio voltou a praticar alguns esportes, incluindo andar de bicicleta e a correr!!! Otimismo total neste período. Correr, em teoria seria um dos exercícios que talvez ele não conseguisse voltar a praticar por causa da exigência das articulações e nível de impacto no joelho. Estávamos felizes e confiantes para a temporada de neve!!!

Enfim, chegou o esperado inverno. No final de dezembro durante o período de festas, fomos à estação de esqui para testar o desempenho do joelho do marido na prática do snowboarding. Esta seria a hora da verdade. É tudo ou nada. Expectativa alta neste momento!!! E.... tã tã tã tã tã tã (rufos dos tambores)... marido não conseguiu.... decepção total!! Para ser bem honesta e clara, ele não conseguia nem ficar em pé sobre o snowboard. O que deveria ser super simples virou complicadíssimo. O joelho dele não se mantinha estável e se deslocava simplesmente por tentar ficar em posição estática em pé sobre a prancha. Fazer movimentos então, fora de cogitação. Tadinho! A maior dó do mundo... Eu não tinha palavras para consolá-lo. Voltamos para casa. Ele só ficava repetindo para si próprio “porque já não operei esta p#$@* de joelho, porque já não operei esta p#$@* de joelho...”

Claro que para algumas pessoas isso pode parecer exagero, mas esporte é algo que faz parte da vida do Mauricio, sobretudo os “outdoor”. Snowboarding é uma paixão para ele, e pensar em ficar sem isso é algo que faz muuuuita diferença na vida dele. Enfim, agora era hora de correr atrás do prejuízo.


*** A CIRURGIA ***

Já na primeira semana de janeiro estávamos tentando agendar a cirurgia. Depois de alguns dias tentando uma data, o Mauricio conseguiu programá-la para o dia 26 de janeiro de 2015. Após esta confirmação, ele teve uma consulta com o médico que em 5 minutos explicou mais ou menos como o procedimento aconteceria. Considerando a falta de ressonância magnética e de um diagnóstico exato, o profissional esclareceu quais seriam os possíveis cenários para o problema. Explicou que a cirurgia poderia ser bem simples e rápida apenas através de Artroscopia. No entanto, dependendo das condições em que os ligamentos se encontravam, ele poderia fazer algo mais invasivo como complemento à artroscopia na tentativa de um resultado mais consistente. A ideia do médico era definir na hora do procedimento qual das alternativas seria melhor para o caso. Levando em conta as opções disponíveis, o Mauricio deixou uma autorização com o ortopedista permitindo que ele fizesse o que julgasse necessário, algo mais ou menos “faz o que tiver que fazer para que eu volte a praticar snowboarding”. Saímos de lá com um papel que tinha as orientações pré-cirurgia, mas nada demais. As instruções eram basicamente o horário que ele deveria chegar em determinado hospital, solicitação de um par de muletas e um balde de gelo específico para joelho (que por sorte, o marido já havia comprado anteriormente). Eu em particular estava assustada porque não foram pedidos exames prévios como geralmente acontece no Brasil, tipo eletrocardiogramas ou exames de sangue. Sei lá, eu não conheço nada de coisas relacionadas à saúde, mas pelo que eu sempre vi, no Brasil era comum os médicos pedirem alguns exames de checkup antes de operações para terem conhecimento do estado de saúde real do paciente. Além disso, pediam que um adulto responsável fosse pegá-lo no final do dia no hospital (???????). Como assim pegá-lo????? Eu ficaria lá durante todo o período do procedimento!! Em hipótese alguma eu o deixaria lá pela manhã e voltaria para pegá-lo no final do dia como se fosse criança indo para escola. Que coisa de louco! Pelo menos para mim que sempre tive cuidados da família em qualquer situação relacionada à saúde. Na minha família, é costume que alguém (ou alguéns) fique lá no hospital antes, durante e depois de qualquer operação.

Enfim, chegou o dia da cirurgia. Estávamos lá nós dois na recepção em plena madrugada (6am) preenchendo alguns papeis. Marido entrou para fazer alguns poucos exames rápidos e ser preparado para o início do procedimento agendado para às 8:00h. Eu mesma fiquei com ele só uns 10 minutos em uma sala tipo enfermaria onde vários outros pacientes também estavam aguardando para serem chamados. Quando o marido entrou para a sala de operação, uma enfermeira veio até mim e disse que me ligariam na hora que ele estivesse pronto para eu pegá-lo. Eu respondi que não iria a lugar nenhum e ficaria lá aguardando me darem notícias. A estimativa era que tudo acabasse em 1 hora e me chamassem em 2. Mas nada disso aconteceu. Eu só tive contato com ele às 3pm. Fiquei lá aguardando alguém falar comigo. Ninguém me dava resposta para nada. Eu não fazia a menor ideia do que estava acontecendo. Eu perguntava por ele e a única coisa que me diziam é que eu deveria aguardar alguém me ligar no celular. Um horror! Eu ficava mais ansiosa a cada dez minutos. E para piorar tudo, faziam apenas 4 dias que tínhamos perdido a nossa cachorrinha Jesse. Era tudo junto sabe? Uma mistura de emoção sem tamanho. Eu chorava de vez em quando e ninguém entendia nada, porque afinal, não era uma cirurgia de risco. Só fui me acalmar quando uma senhora canadense sentou para conversar comigo e aí desabafei sobre o que havia acontecido recentemente conosco e que isso se somava a toda a ansiedade da cirurgia, mais o processo de imigração, ausência da família, enfim, tudo junto e misturado.

Finalmente uma enfermeira me chamou para ver o marido. Ai que dó! Vê-lo ali mega dopado me partiu o coração. Após a operação ele foi para uma área de recuperação esperar passar o efeito da anestesia. Assim que acordou (pelo menos um pouco), ele foi levado para uma outra sala onde outras pessoas também estavam sob observação. Algo tipo enfermaria, onde as camas ficam separadas apenas por cortinas e uma equipe de enfermeiras fica acompanhando a evolução dos pacientes. Este espaço são para os casos que não ficarão internados, e que diga-se de passagem, aqui é o mais comum. Internação só em casos extremos, afinal, manter um paciente no hospital é algo caro para o sistema público.

O médico veio falar comigo rapidamente e explicou que a cirurgia havia sido muito mais complexa do que ele esperava, o que ocasionou a demora do procedimento. Disse que a recuperação seria bem chata, sobretudo no começo, e que precisariamos de bastante paciência. Ainda falou que com a complexidade do caso, ele teve que optar pela operação mais completa, conforme já havia explicado anteriormente para nós. Sendo assim, além da artroscopia, o procedimento também envolveu um corte na lateral do joelho bem grande com muitos pontos, mas que isso foi necessário para poder trazer um resultado mais eficiente. No caso do Mauricio, vários ligamentos estavam rompidos completamente, incluindo o menisco e o ACL, e isso fez com que ele escolhesse o método mais invasivo a fim de garantir uma recuperação melhor e evitar que ficassem frágil com o passar do tempo. Conceitualmente, e falando de forma bem grosseira, o médico quis reforçar o joelho e acabou fazendo algumas coisinhas a mais além do convencional uma vez que o objetivo do Mauricio era (e ainda é) voltar a praticar snowboarding. Isso é o que ele diz. Mas admito que quando eu vi a perna do marido eu fiquei horrorizada!!! Não entendo absolutamente nada de cirurgia, mas ver um corte cheio de pontos feitos com grampo metálico (tipo grampeador) me impressionou. Achei aquilo tudo muito medieval.

Eu fiquei lá com o suposto doente por mais umas horas até que fosse liberado. Ele demorou um pouco para se recuperar pois devido ao grau da operação, ele precisou de doses extras de morfina, o que o fez ficar completamente alienado. Aí uma enfermeira veio me passar todas as instruções de como eu deveria lidar com o Mauricio nos próximos dias até que ele voltasse a ver o médico novamente, já agendado. A hora de ir embora foi um pouco complicada pois ele nõ conseguia andar direito, e não sei o porquê, a “maledeta” da enfermeira disse que ele deveria evitar as muletas e tentar andar sozinho o quanto fosse possível. Juro, até hoje não sei de onde ela tirou esta ideia porque segundo o médico, o Mauricio deveria ter evitado ao máximo qualquer esforço na primeira semana. Esta “besta quadrada” obrigou o marido andar um pouco pelo hospital e enfatizou esta instrução quando estávamos saindo. Eu insisti que ela estava errada pois não era o que o médico havia me orientado. Mas ela me tratava com aquele ar de “você deve estar se confundindo, talvez por causa do idioma, blá, blá, blá”. Odeio quando as pessoas assumem que não entendo as coisas por causa do inglês, poxa, já passei da fase do “analfabeto” para “semi-analfabeto” (rsssssss). Well, depois o médico disse que a louca estava louca mesmo e eu estava certo. Tarde demais, marido já havia dispensado a muleta, mas por sorte, nada que o tivesse prejudicado. Bom, após sair do hospital, deixei o Mau em casa bem acomodado e fui em seguida à farmácia comprar os remédios passados pelo doutor. Agora, era hora de começar a fase de recuperação.

E a conta do hospital???? Zero. A cirurgia em si (equipe médica e instalações) foi toda coberta pelo plano de saúde público. O Mauricio só teve que dar a carteirinha na recepção quando chegou no hospital. Em compensação, todo o resto nós é que bancamos.

Aí, vale ressaltar que não há nenhum envolvimento e/ou ajuda do plano de saúde público relacionada à compra de medicamentos, muletas, ou qualquer outra coisa que seja necessária, ao menos não neste caso. Tivemos que bancar tudo, e não foi pouco. No nosso caso, o plano de saúde privado que o Mau tem pela empresa foi o que aliviou a conta pois, com ele, tivemos descontos na compra dos medicamentos prescritos. Deixei na farmácia CAD$ 80.00, incluindo os tais descontos que foram de 80% em média. Então, faz a conta aí para saber o quanto eu pagaria se não fosse o plano particular. Além disso, o médico receitou o uso continuo de gelo na área do joelho para ajudar no processo desinflamatório. Para isso, tivemos que adquirir um outro equipamento especial que mantém a área sob contato com gelo o tempo todo, e mais uns dolares gastos...


*** A RECUPERAÇÃO ***

A primeira semana após a cirurgia foi de muito repouso. Levantar e/ou andar só para ir ao banheiro. O Mau sentiu bastante dor e desconforto. Tomou remédios fortíssimos que o deixavam meio dopado. Aos poucos as doses foram diminuindo. Neste período chegaram a ligar do hospital para perguntar se ele teve alguma reação em relação a anestesia ou whatever. Em dez dias o médico o estava recebendo no consultório para ver como ele estava. Os pontos metálicos e os curativos foram retirados. Na segunda semana o Mau já estava de volta ao trabalho. Por 6 semanas seguidas à cirurgia ele ficou proibido de dirigir e eu fiquei de motorista. Vida de esposa né!

Nestes primeiros 30 dias todos os movimentos da perna operada estavam bem restritos. Aos poucos ele foi voltando a andar, mas quase sem dobrar a articulação. Ainda antes de completar o primeiro mês, ele começou as sessões de fisioterapia. Aí a conta bancária começou a doer também, porque nada, absolutamente nada de fisioterapia tem cobertura pelo plano de saúde público. Tudo pago por nós. O valor era de CAD$ 85.00/sessão que durava 20 minutos. O plano particular reembolsou parcialmente o valor até atingirmos o teto de CAD$ 500,00. Depois disso, tivemos que pagar centavo por centavo. Lembro que no começo o Mauricio reclamava muito. Cada vez que ele tinha que pagar a conta ele ficava com o maior mau humor. Também não é para menos. Pagar tudo isso por apenas 20 minutos e ainda não sentir evolução, é para desanimar qualquer um. O médico bem que avisou. A dificuldade da recuperação está mais relacionada a lidar com o emocional do que com a dor propriamente dita pois ver alguma resposta do joelho é algo demorado. Ele foi enfático quando disse que seriam 12 meses para se recuperar completamente e que os 6 primeiros seriam extremamente devagar. A frequência das sessões era incialmente de três vezes por semana, depois foi para duas, depois uma até que o próprio Mauricio desistiu.

Calma, calma, calma. Ele não desistiu de trabalhar na recuperação do joelho, e sim da fisioterapeuta. Desde que ele passou pela cirurgia, não houve um dia que ele tivesse deixado o joelho de lado sem nenhum tipo de exercício. O marido resolveu que procuraria por outro profissional para orientá-lo. Neste meio tempo, ele já havia começado a fazer exercícios na piscina. Não era natação nem hidroginástica, apenas “correr” dentro da água para fortalecer a perna sem impacto. Esta parte da piscina o Mau faz em um estabelecimento público que tem aqui em Coquitlam. O valor é em média CAD$ 55.00/mês para frequentar o local. Além disso, ele também está liberado para andar de bicicleta.

Hoje fazem exatos 3 meses que se passaram da cirurgia e o Mauricio ainda tem um longo caminho pela frente. É esperado que ele possa voltar a correr, e com restrição, somente em agosto. Até lá, será só trabalho de fortalecimento. Eu em particular acho que ele está indo rápido. Ele mesmo acha que tudo está extremamente lento. O médico, acha que está tudo indo bem. Aliás, as consultas com o especialista para acompanhamento da evolução do joelho tem acontecido a cada 6 semanas.

Para resumir como foi a história em relação ao plano de saúde, vale lembrar que o médico especialista, o médico do hospital, exames e a cirurgia foram cobertos pelo sistema público. Todos os equipamentos, medicamentos e fisioterapia foram pagos por nós e tivemos reembolso parcial do plano de saúde privado. A ressonância magnética nunca foi feita por causa da longa fila de espera. 

domingo, 12 de abril de 2015

- Saúde no Canadá (2): na prática


Este post é uma continuação da série “Saúde no Canadá”. Se você não leu o texto “Saúde no Canadá (1): na teoria”, clique aqui.

No texto anterior, eu falei um pouco sobre como o sistema de saúde funciona no Canadá na teoria. Apenas um rápida recapitulação, o sistema de saúde canadense pode ser de cunho público ou particular. Para receber atendimento pela rede pública, a pessoa necessariamente tem que ser residente e estar inscrita no sistema do governo (Medicare), que é administrado pela individualmente por cada província. O particular vai depender do plano adquirido pelo paciente, mas que de maneira geral funciona à base de reembolso parcial do tratamento.

Mas depois de tanta teoria, e na prática, como isso tudo funciona??? 



:: DOCUMENTO :: Para começar, todas as pessoas inscritas no plano de saúde público tem uma carteirinha com um número de identidade de acesso à rede pública. É comum unificar todos os documentos em um único, e assim, a identidade de pessoa física (ID), a carteira de motorista e o registro do sistema de saúde estarão todos em uma única carteirinha. Vale ressaltar que o endereço da pessoa também fará parte deste documento, por isso é fundamental mantê-lo atualizado junto aos órgãos do governo.

Para receber qualquer atendimento pela rede pública de saúde, a única coisa que o paciente tem que fazer é apresentar o documento na recepção de seja lá onde estiver indo. Geralmente não é necessário preencher nenhum formulário quando se vai a uma consulta médica e/ou hospitais e/ou laboratórios, uma vez que todo o histórico do paciente fica registrado e vinculado ao número de identificação. Exceto, é claro, quando é algo específico e informações adicionais sejam necessárias. Normalmente é tudo bem simples e sem burocracias.

Através da sua identificação, os profissionais que lhe prestam atendimento tem acesso ao seu histórico de saúde. Além disso, quando você faz algum exame não há necessidade de pegar o resultado e levar até o médico, uma vez que o laboratório o enviará automaticamente ao profissional. Aliás, é o médico que lhe dará o resultado já com o diagnóstico e tratamento quando você for à consulta de retorno. Normalmente, assim que o solicitante do exame recebe o resultado, a recepcionista já entra em contato com você para agendar uma nova visita ao médico. 

 .

:: MEDICAMENTOS :: Alguns medicamentos são subsidiados pelas províncias, sejam por meio de financiamentos ou por isenção de impostos. Mas isso pode variar muito de acordo com a administração local, tipo de tratamento, caso do paciente, etc. De maneira geral, o paciente terá que custear o próprio medicamento. Se a pessoa tiver plano de saúde particular, certamente terá descontos consideráveis na compra de remédios prescritos.

O conceito de “farmácia” aqui no Canadá é bem diferente do Brasil. Primeiramente, é possível comprar remédios em supermercados de grandes redes, não precisando ficar restrito apenas às drogarias. Aliás, a maioria dos medicamentos são adquiridos em lojas tipo supermercados que possuem um setor exclusivo para a sua comercialização. Existem os remédios do tipo comercial que são de prateiras e ficam expostos em gôndolas onde são facilmente encontrados e não precisam de prescrição médica, como Tylenol, antitérmico, vitamina, antiácido, xarope, antigripal, e similares.

Medicamentos sob prescrição médicas só são adquiridas com prescrição médica, mesmo que pareça óbvio, o que eu quero dizer é que isso é literalmente seguido à risca. Você só consegue comprar a quantidade exata que o médico recomendou. O remédio não vem na caixa do fabricante como no Brasil. Ele é comercializado em potes específicos no qual é colocado a quantidade de comprimidos (ou capsulas ou ml) que está descrito na prescrição. Eu odeio isso, porque na nossa caixa de remédios em casa nós temos um monte de potes iguais. Cada vez que precisamos de algo temos que ficar lendo rótulo por rótulo. Uma verdadeira chatice! Em compensação não há desperdícios e, raramente você terá aqueles restos de remédios vencidos na sua caixinha.


Medicamentos de uso contínuo também são prescritos em uma quantidade determinada. O médico define o período de tratamento e isso implicará no quanto do medicamento você poderá adquirir. O número de vezes que você poderá comprar o respectivo remédio é chamado de "refils". Por exemplo, anticoncepcionais são comprados desta maneira. O médico já coloca na receita algo como “6 refils” (ou "6 months"), o que significa que você só poderá comprar o produto 6 vezes (ou para uso de 6 meses). Para manter o mesmo tratamento após o término dos "refils" ou do prazo determinado, a paciente terá que retornar ao médico para pegar outra prescrição e aí conseguir comprar mais dosagens do remédio. Nesta consulta, o profissional pode ou não mudar o tratamento. Mas aí é algo que será decidido entre médico e paciente. 


Neste casos de “refils”, a farmácia onde comprou o primeiro medicamento reterá a receita e deixará cadastrado a quantidade de vezes/dosagens que o paciente poderá comprar novamente. Assim, cada vez que precisar de mais medicamento, basta a pessoa dar o nome e a farmácia o venderá enquanto houver “refils” disponíveis. Geralmente quando você está comprando o penúltimo "refil", o atendente te comunica avisando que só há mais um disponível para compra. Assim, você poderá se programar para agendar uma consulta com o seu médico e pedir mais doses se necessário. Comigo já aconteceu dos meus "refils" terem acabado e a própria atendente entrou em contato com a minha médica solicitando autorização para a compra de pelo menos mais um até que eu tivesse o retorno.


Outro detalhe, a retenção da prescrição médica pela farmácia é comum, porém opcional (exceto para antibióticos e tarjas pretas que é obrigatório). Isso é algo conveniente pois o paciente não precisa guardar a receita (e talvez perdê-la) para a próxima compra. Se você não se sentir confortável com isso, apenas peça que te devolvam o documento. Caso opte em mantê-lo em uma farmácia e por algum motivo queira comprar o próximo "refil" em outro estabelecimento, apenas peça para que o novo lugar de compra entre em contato com o local que manteve a sua receita. Eles mesmos farão os procedimentos necessários para permitir a aquisição do medicamento.

Outra coisa que vale informar. Como os remédios prescritos são comercializados sob demanda e de acordo com a receita e quantidade e blá blá blá, o processo de compra leva alguns minutos para ser concluído. Outro inferno! Na prática, você vai até o balcão ("drop off") para deixar a receita e volta depois de uns 30 minutos em outro balcão ("pick up") para retirar o medicamento. O tempo varia de local para local. Por isso, recomendo levar a receita em um dia que terá que fazer compras, assim você faz algo útil no seu tempo de espera (rssss). Ou deixa a prescrição de manhã e retira o remédio no final do dia. Sei lá, coisa do tipo... E nem adianta reclamar ou pedir para agilizarem, coisa que eu já tentei e não obtive sucesso. Sabe como é né, coisa de paulistano (rsssss).

 .

:: MÉDICO DE FAMÍLIA :: Bem, de maneira geral o sistema de saúde aqui é bem diferente do Brasil. Nós não temos aquele livrinho habitual do plano de saúde particular em casa (que parece uma lista telefônica) no qual escolhemos um médico especialista a dedo de acordo com a nossa “necessidade” (ou pelo menos aquilo que achamos ser a “necessidade”), marcamos um horário e vamos à consulta de livre e espontânea vontade. Por estes lados as coisas não são bem assim. Você até pode fazer um procedimento parecido através de um plano particular, mas não é o mais usual, menos ainda o mais barato.

Aqui existe um conceito diferente quanto ao funcionamento do sistema de saúde como um todo, sobretudo a rede pública. Para começar, é preciso entender o papel do “médico de família”, conhecido como “family doctor” ou “family physician”.

Este tal “médico de família” é um profissional que participa da vida das pessoas no que tange à saúde em aspectos gerais. Ele é um profissional que estuda um programa de residência de dois anos especializado em medicina familiar, no qual é treinado para tratar o paciente de forma genérica. Ao invés de ser especializado em um tipo de cuidado ou uma doença, eles fornecem cuidados para todas as partes do corpo, todas as doenças, em todas as idades e sexos. O papel deste profissional é fazer o acompanhamento e prover todo o cuidado da saúde para cada um de seus pacientes, por toda a vida. De forma bem resumida, o médico de família nada mais do que um médico pessoal que cuidará de você e acompanhará o histórico da sua saúde.

Cada pessoa tem o seu próprio “family doctor”, mas como o nome diz, o comum é que este profissional atenda todos os membros de uma mesma família. Isso não é obrigatório, mas é o mais prático. Mas sei lá, se de repente você preferir ir em um diferente do seu pai ou marido ou esposa ou seja lá de quem for, isso é possível. It’s up to you!
Para as mulheres é bem fácil entender como isso funciona, pois no Brasil as mulheres tem o ginecologista como um médico pessoal que acompanha e trata de todo o histórico de saúde. Além disso, as visitas também são regulares.

O ponto mais importante para se entender disso tudo é que para qualquer problema que a pessoa tenha relacionada à saúde, ela necessariamente tem que ir ao médico de família para se tratar. Não importa o que é e nem em que parte do corpo está o problema, mesmo que você jure de pés juntos que precisa de um cardiologista. É o “family doctor” quem decidirá o procedimento a ser tomado. Este médico poderá definir um tratamento como um todo, e/ou receitar medicamento, e/ou pedir exames, e/ou direcionar o paciente para um especialista. Desta forma, se o problema estiver “dentro da alçada” do profissional, ele mesmo indicará os cuidados a serem tomados. Caso seja algo que precise de acompanhamento de um profissional especializado, é ele quem vai te indicar o próximo médico. Sendo assim, até para ir a um especialista é necessário ter receita médica. E honestamente isso é um inferno! Principalmente para nós brasileiros que estamos acostumados a ir diretamente ao especialista de acordo com o que julgamos ser o profissional certo para determinado problema. Por exemplo, de repente você começou a ver umas manchas na sua pele. Ao invés de procurar um dermatologista, você vai ao médico de família. Se ele achar que consegue resolver o problema, ele mesmo receitará o tratamento e/ou exames. Se ele julgar necessário o acompanhamento do dermatologista, aí sim ele te recomendará para um.

Neste caso, quando há indicação feita pelo “family doctor”, o plano público cobrirá as despesas. Caso você decida por conta própria ir ao especialista sem recomendação, terá que ir por meio de consulta particular, e claro, assumir os custos envolvidos. O mesmo conceito serve para qualquer tipo de tratamento e exames. Então, para ser coberto pelo sistema de saúde público, necessariamente tem que passar pelo médico de família e ter a sua recomendação.

Os exames e consultas de rotina são normalmente feitos anualmente, exceto quando houver outra indicação. Para as mulheres, é este profissional quem fará o papel do ginecologista. Mesmo para as grávidas, até determinado mês de gestação (não sei exatamente quando), é o “family doctor” quem cuidará do acompanhamento da mãe e do bebê. Depois de certo mês, o médico fará o encaminhamento para um obstetra. Para os homens e crianças (pediatra) será a mesma coisa. Inclusive vacinas ou tratamentos preventivos serão gerenciadas pelo “family doctor”.

Para resumir, todo mundo tem que ter um médico de família. E apesar disso ser fundamental, não é tão simples conseguir um. Os “family doctors” tem um determinado limite de pacientes na sua carteira, ou seja, se já tiverem com todas as “vagas” preenchidas não poderão aceitar mais pacientes. Então, quando o imigrante chega aqui ou muda de província, ele tem que procurar por médicos de família que ainda tenham disponibilidade para assumir mais pacientes. E como fazer isso??? Ligando e perguntando se o profissional tem “vaga” em aberto. Loucura né? Aí vem um pequeno problema. Como não é tão simples achar um “family doctor” com disponibilidade, as pessoas tem que ficar pesquisando e procurando até conseguir um. É por isso que muita gente fica por anos (ou a vida toda) com o mesmo médico, ainda que não goste muito do seu procedimento ou atendimento. De qualquer maneira, o “family doctor” não precisa ser o seu melhor amigo. O que se espera é que ele possa manter os exames de rotina em dia, receitar os tratamentos preventivos/vacinas, manter os medicamentos de uso contínuo em andamento, e fazer as indicações para os especialistas quando necessário. Nada mais do que isso (rsssss).

Imigrantes (ou residentes que mudaram de província) que utilizam algum medicamento de uso contínuo podem manter o tratamento facilmente. Basta informar o seu histórico ao médico de família e o mesmo receitará a continuação do tratamento, pelo menos até “segunda ordem”. Claro que o “family doctor” pedirá exames para se certificar de que o protocolo atual é coerente. Após ter os resultados em mãos, aí sim poderá haver alguma alteração no tratamento, mas até lá, a pessoa pode continuar o tratamento anterior, casos por exemplo de anticoncepcionais para mulheres. 

.

:: WALK-IN CLINIC ::
Bom, aí você chegou aqui no Canadá há alguns meses, seu plano privado feito ainda no Brasil já não vale mais, inscreveu-se no sistema de saúde público, já passou o período de carência, já recebeu sua carteirinha e em teoria está com tudo em ordem para usufruir de tudo o que a rede pública pode lhe oferecer, só que não, porque afinal ainda não achou um “family doctor” com vaga disponível. Vai entrar em pânico certo???? NÃO! Não precisa se desesperar!!!!

Eu sei que depois de tudo o que escrevi sobre o médico de família você deve estar imaginando que vai morrer de resfriado se não achar um o quanto antes. Mas não é bem assim. Enquanto você não acha um médico maravilhoso para cuidar de você e da sua amada família, é possível receber atendimento médico em “walk-in clinic”.

As “walk-in clinics” são pequenas clínicas espalhadas por todos os cantos e fácil de achar. Normalmente não é necessário agendar consultas e o atendimento é feito por ordem de chegada. Os médicos destes estabelecimentos fariam o papel simplificado do “family doctor” e resolvem pequenos problemas de saúde, seriam equivalentes ao “clínico geral” no Brasil. Até mesmo pessoas que já tem o médico de família frequentam estas pequenas clínicas, pois são extremante práticas. Eu mesma já fui algumas vezes para pegar receita de medicamento de uso contínuo, ou quando tive ataque de tosse (daquelas intermináveis), resfriados, e pequenos probleminhas. Como não é necessário agendar horário, às vezes fica mais conveniente frequentar as “walk-in clinics”, sobretudo no meu caso em que a minha “family doctor” fica relativamente distante da minha casa.

Portanto, até que você consiga o seu médico de família, as “walk-in clinics” vão resolver as suas questões de saúde. Conheço gente que está aqui no Canadá há anos (bem mais do que eu) e até hoje não tem “family doctor”. Não porque não achou, mas porque não se preocupou em procurar por um e manteve tudo à base das “walk-in clinics”.

O plano se saúde pública tem cobertura para atendimento em “walk-in clinics”. Basta apresentar a carteirinha na recepção e aguardar o médico lhe chamar. 

.

:: EMERGÊNCIA :: Emergências não serão atendidas pelo seu médico de família. Assim como no Brasil, quando se está passando mal não tem jeito, corre para o Hospital mais próximo. O procedimento é o mesmo do médico, basta apresentar a carteirinha na recepção e só. O tempo de espera para receber atendimento vai depender da gravidade e risco do seu problema e da disponibilidade dos profissionais no momento. Tipo... dor de barriga vai levar um “tempão” para um médico lhe ver, assim como gripe, dor de cabeça, etc. Um ataque cardíaco, acidente de carro ou qualquer coisa do tipo, certamente o paciente terá pronto-atendimento. É na hora da triagem que isso será definido.

Óbvio que se o caso for sério, por favor, ligue para o 911 que a ambulância, bombeiros e policiais chegarão até você rapidamente. Sem brincadeira, é isso mesmo. Casos emergenciais sob cuidados do “911” são tratados realmente como emergenciais e o suporte ao paciente é enorme. Por isso, não bobeia. Se necessário, não hesite em pedir ajuda! Disque 911 e pronto. 


Se não falar inglês (ou francês), imediatamente diga que precisa de suporte em português ou espanhol. Algo do tipo "I only speak Portuguese and Spanish", e provavelmente você será encaminhando para um atendente que possa se comunicar. Na pior das hipóteses apenas diga que não fala inglês e que precisa de atendimento emergencial no endereço em que está: "I don't speak English and I have an emergency. I need help at [endereço]". O pessoal é bem treinado para lidar com imigrante :)


:: EXAME e ESPECIALISTA :: Exames, exames e exames, aí o bicho pega! Estou me referindo a casos não emergenciais e que são feitos em laboratório sob pedido médico.

Exames de sangue, daqueles simples como hemograma, ou coisa do tipo, é fácil de conseguir. Basta ter a receita médica, ir a um laboratório, entregar a carteirinha e aguardar ser chamado para coletarem o material. O resultado irá diretamente para o médico que fez a solicitação. Neste caso o atendimento é feito de acordo com a ordem de chegada. Alguns laboratórios aceitam agendamento on-line para pacientes que não querem ficar aguardando por muito tempo. Já fiz exames de sangue algumas vezes e em todas as ocasiões aguardei por mais ou menos 1:30h na sala de espera, sem agendamento
prévio. Bem mais do que eu costumava esperar no Brasil, mas aceitável.

O sistema de saúde público oferece cobertura para os exames, desde que solicitado por algum médico e feito em um laboratório credenciado na rede pública. O seu médico poderá te indicar um laboratório de acordo com a sua conveniência.

Exames mais complexos, assim como médicos especializados, são outra história.... Para começar, tanto o especialista como os exames só serão agendados e cobertos pelo sistema público se forem recomendados por um outro médico, podendo ser o seu “family doctor”, ou “physician” (walk-in clinic), ou outro especialista. A espera pelo agendamento pode se tornar uma eternidade. Raio-X, ultrassom, ressonância, dermatologista, ortopedista, etc, são bem mais difíceis de conseguir. Pode se preparar para uma longa espera até que agendem uma data para você. Vou dar um exemplo.

Eu tenho enxaqueca crônica e faço um tratamento específico para este problema desde o Brasil. Por conta disso, logo que cheguei aqui no Canadá e tive a minha primeira consulta com a minha “family doctor”, logo fui recomendada a ser atendida por uma neurologista. Só a espera para a consulta com esta profissional foi de 6 meses. Anyway, esta médica me pediu uma ressonância magnética para se certificar da questão e recomendar um tratamento específico. Na ocasião, ela até foi bem sincera e disse que eu teria que aguardar por um longo período para agendarem o tal exame para mim. Ela chegou a me perguntar se eu tinha pressa em receber o resultado, e se caso eu dissesse que sim, ela pediria com urgência para anteciparem o quanto antes a realização do exame. Eu cheguei a dizer que isso era desnecessário uma vez que já fazia anos que eu tinha o problema e já sabia conviver com ele. Além disso, certamente havia gente precisando muito mais do que a mim. Frente a isso, a neurologista me receitou o exame e manteve o mesmo tratamento que eu já fazia no Brasil até que tivéssemos o novo resultado da atual ressonância. E foi assim. Depois desta consulta, eu esperei 3 meses para agendarem o exame. É o próprio laboratório que te liga marcando uma data, que diga-se de passagem, foi agendada para 6 meses adiante. Ou seja, esperei um total de 9 meses desde o pedido médico!!! Se eu estivesse grávida no dia da consulta a criança já teria nascido!! Um absurdo!!! Se eu somar a espera pela data da consulta com a neurologista mais a da ressonância, chega a 15 meses no total aguardando desde o pedido pela “family doctor”. Mas enfim, fiz o exame e uma semana após eu já estava retornando à neurologista para pegar os resultados e o tratamento. Ufa! Rápido né!

A questão aqui é a seguinte. Tudo se trata de prioridade no quesito saúde. Caso de alto risco é obviamente colocado à frente. A dificuldade é que muitas vezes os pacientes são obrigados a conviver com problemas de saúde pequenos (mas incômodos) por muito tempo se forem considerados como “questões leves”. Welcome to Canada! 



:: PLANO PARTICULAR :: Depois que você leu tudo isso, talvez comece a entender o porquê vale a pena ter plano de saúde particular como complemento ao público. Exames específicos por exemplo, como a minha ressonância magnética por exemplo, podem ser feitos em laboratórios privados e depois pegar reembolso com o plano particular. O percentual do valor a ser pago vai variar de plano para plano. No nosso caso, temos 80% de retorno. A parte ruim é que você tem que pagar primeiro para depois recuperar o valor gasto. Mas é uma alternativa ao problema das longas esperas junto ao sistema público.

Além da questão dos exames, eu acho que a maior vantagem do plano particular está na cobertura odontológica e descontos em medicamentos. Os valores de descontos que temos em remédios realmente são enormes, e o perceptual varia de acordo com o medicamento e política do plano.

Tratamentos odontológicos eu ainda não tive experiência, Graças a Deus! Não que eu não precise, mas é que eu e o marido fugimos do dentista mais do que o diabo foge da cruz. Só vamos em casos extremos mesmo!!! 

.
É isso aí, este é um resumo de como o sistema de saúde tem funcionado aqui para nós, na prática. Claro que estas informações estão baseadas nas nossas experiências. Mas virei ainda com mais um post falando sobre o caso do Mauricio que passou por cirurgia e teve uma experiência completa em relação a isso tudo... 
Até o próximo post!!!

terça-feira, 7 de abril de 2015

- Saúde no Canadá (1): na teoria


Finalmente resolvi criar coragem para falar da saúde aqui. Sei que este assunto é exaustivamente abordado em todos os blogs, mas não dá para deixar de colocar a nossa experiência a respeito né?! A ideia é falar disso em três partes. Primeiro de como o sistema de saúde é na teoria. Segundo, falar um pouco de como funciona na prática. Terceiro, contar a experiência do Mauricio que passou por cirurgia recentemente. 

Então senta que lá vem história... vamos começar pela teoria... 


:: CANADA HEALTH ACT :: O sistema de saúde no Canadá oferecido à população é, de maneira geral, público. O que significa que a maior parte dos serviços básicos de saúde são financiados pelo governo, apesar de serem fornecidos por entidades privadas. Parece complicado né? Mas funciona mais ou menos assim. Os serviços prestados às pessoas são feitos por profissionais autônomos e/ou empresas particulares, mas quem paga a conta é o governo federal. E apesar da verba vir do bolso do Canadá, a administração do sistema, assim como seu funcionamento, é feita individualmente por cada província (ou território). O governo federal propriamente dito não participa diretamente do controle de nada, apenas o financia.

Mas sabe como é né, todo capital que é investido tem que ter um controle. Então, para assegurar a qualidade das instalações e do atendimento entregue à população lá na ponta, foi instituída uma legislação federal - chamada
Canada Health Act - que regulamenta os padrões do sistema de saúde através de um montão de normas. Assim, apesar do país só cuidar da distribuição do dinheiro, ele exige a qualidade por meio da lei garantindo o atendimento básico e essencial aos assegurados.

Cada província gerencia seu próprio sistema de saúde, mas seguindo sempre as normas estabelecidas pelo Canada Health Act. Para nós pacientes, nada relacionado a isso é complicado porque, na prática, quem reivindica o pagamento dos serviços são os próprios médicos e/ou clínicas e/ou hospitais. Nós não temos que fazer nada, a não ser entregar a carteirinha na recepção de seja lá onde estivermos nos tratando. Não temos que pegar autorização, reembolso, ou pensar em burocracias.

Mas não vai pensando que basta chegar aqui vai sair tratando tudo e qualquer coisa. Nem tudo é financiado pelo sistema de saúde público. O governo garante o básico, incluindo consultas médicas, exames, cirurgias, internação, e outras coisinhas mais. E apesar de ser bem completo, também há muitos itens que não são cobertos por este sistema, tendo que ser pagos por meio de verba particular mesmo. Medicamentos, tratamentos oftalmológicos, atendimento odontológico, fisioterapia, medicina alternativa (acupuntura, quiropraxia, etc) e outras coisas fazem parte do sistema “pagar por conta própria”. Não vou detalhar o que faz (ou não) parte do pacote porque o post já é grandeeeeeeeee.

Vale frisar que o sistema de saúde aqui é conhecido como Medicare (pelo menos aqui em British Columbia) e cobre as necessidades apenas das pessoas residentes e asseguradas. Ou seja, não basta estar aqui, a pessoa tem que estar inscrita no plano de saúde público para usufruir do que é oferecido.

O tal Canada Health Act estabelece 5 princípios fundamentais para as províncias (ou territórios) seguirem e que devem ser aplicadas à todos os residentes ASSEGURADOS:
  • Administração Pública
  • Abrangência de cobertura (garantir fornecimento de hospitais, médicos e cirurgias odontológicas)
  • Universalidade (todo mundo tem que receber o mesmo nível de tratamento e serviço)
  • Portabilidade (não há período de carência quando houver transferência de plano de uma província para outra, e nem para residentes que retornem ao país após um período indeterminado)
  • Acessibilidade (todo mundo tem acesso às instalações de saúde e todos os médicos e estabelecimentos devem receber pelos serviços prestados) 


:: PLANO PÚBLICO :: Como já dito, o seguro de saúde público aqui no Canadá é administrado pelas províncias (e territórios), portanto as pessoas devem se inscrever no plano provincial em que residem. É importante saber que existem diferenças nas coberturas dos planos entre as províncias. Nem tudo o que uma oferece necessariamente a outra também vai fornecer. Claro que todas garantem o básico estabelecido pelo Canada Health Act, mas cada uma das províncias tem autonomia para proporcionar benefícios adicionais à população. Isso acaba até se tornando “diferencial competitivo” para incentivar as pessoas a se mudarem de uma província para outra, algo do tipo “vem morar aqui que eu te ofereço isso, e isso, e isso...”. Mas lembre-se, o básico é garantido igualmente por todas.

Quando me refiro ao básico pense em: hospitais, exames, cirurgia dentária, médicos básicos (médico de família), e médicos especialistas “indicados”. Os médicos especialistas somente serão cobertos se forem “prescritos” pelo médico de família ou por algum outro que tenha já atendido o paciente. Depois explicarei melhor como isso funciona....

Para novos inscritos, há um período de carência (espera) de no máximo 3 meses até que o plano esteja funcionando, e isso vale para novos residentes imigrantes. Lembrando que este tempo de espera só começa a valer depois que a pessoa se inscreveu no sistema de saúde. Por isso, é recomendado que se faça um plano particular para suprir este período sem cobertura local.

Algumas províncias são mais bacanas do que outras e não cobram pelo sistema de saúde. British Columbia, Alberta e Ontario pedem um “health care premium”, em outras palavras no português bem claro, cobram pelo plano de saúde. O valor varia de uma para outra e de acordo com o número de membros por família. Para se ter uma ideia, aqui em BC nós pagamos em torno de CAD$ 125.00 para nós dois. E apesar do sistema destas províncias serem pagos, os serviços de saúde básicos não podem ser negados por falta de pagamento segundo o Canada Health Act.

Importante, apesar do plano valer apenas dentro da província, os assegurados tem cobertura garantida quando estão viajando pelo Canadá independentemente de qual província estejam visitando. Assim, a carteirinha do plano provincial será aceita se houver necessidade de tratamento fora da sua residência. No entanto, benefícios adicionais não são cobertos. Caso, por algum raro motivo, determinado valor seja cobrado, o assegurado poderá pedir reembolso para a sua própria província.

Se for viajar para fora do país, por favor, faça um plano privado ok??? O plano público só vale aqui. Se o paciente precisar de algum tratamento específico fora do país, até é possível conseguir financiamento pelo governo canadense. Mas aí é outra história e isso deverá ser feito através de um processo exclusivo para conseguir uma pré-aprovação.


:: PLANO PARTICULAR :: Enquanto o plano de saúde público cobre os serviços básicos, muitos tratamentos não estão inclusos no pacote do governo, como por exemplo tratamentos alternativos, fisioterapia, oftalmologista, dentista, medicamentos, alguns especialistas, etc. Por isso é sugerido sim ter um plano particular como complemento. A maioria das pessoas tem isso como benefício adicional oferecido pela empresa em que trabalha. Caso a pessoa não tenha isso através do emprego, é possível adquirir um pacote privado para complementar as coberturas não fornecidas pelo governo.

Claro que em alguns casos, como aqui em BC onde já temos que pagar para a província, isso pesa no bolso. Mas a boa notícia é que a maioria das empresas oferecem isso aos funcionários. 


Vale ressaltar que aqui, os planos particulares trabalham com sistema de reembolso. O paciente pagará pelo tratamento/exame caso opte pela rede privada e receberá depois um percentual do valor gasto. Normalmente esta cobertura custeia 80% do procedimento realizado, mas claro, isso dependerá da empresa, tratamento, cobertura, plano, etc, etc, etc. 
 
Plano particular não é super necessário uma vez que o plano público vai cobrir o básico. Mas na prática, é possível conseguir descontos magníficos na compra de medicamentos prescritos, e aí, na conta final acaba valendo incluir isso no orçamento caso não se o tenha através do emprego. Depois falarei mais detalhe a respeito na nossa experiência vivida aqui. 


:: SAÚDE PRIVADA :: Além do sistema público de saúde, há várias clínicas particulares que oferecem serviços no Canadá, incluindo hospitais, laboratórios e médicos especializados. As vantagens são principalmente em relação ao tempo de atendimento, sobretudo espera para exames específicos. Aguardar por uma ressonância magnética por exemplo pode levar mais de um ano. Da mesma forma acontece para cirurgias. Dependendo do caso e da sua gravidade, através do sistema público o paciente pode tomar um belo “chá de cadeira” aguardando o atendimento por muitos e muitos meses.

Emergências são atendidas prontamente, é claro. Mas os pacientes que não estão com problemas de risco acabam ficando por último na fila de procedimentos. Não que isso seja injusto, mas a capacidade de atendimento da rede pública não é muito “alta”, e a necessidade de prestar atendimento por prioridade faz com que as esperas se tornem uma eternidade em algumas ocasiões. Para evitar grandes períodos aguardando uma resposta da rede pública, muita gente recorre às clínicas privadas, especialmente quem tem plano particular.



:: ATENDIMENTO MÉDICO :: O atendimento médico poderá ser feito pela rede pública ou particular. O comum aqui é as pessoas se consultarem com médicos através do sistema público pois os profissionais são em geral muito bem qualificados. 

Comumente, os residentes tem um médico pessoal que cuida da saúde de forma abrangente, e na maioria dos casos, por um longo período. Se possível, pela vida toda. Este médico, conhecido aqui como “family doctor” (médico de família), é quem acompanha o andamento da saúde das pessoas (e seu histórico) e faz a indicação de especialistas quando necessário, assim como prescreve exames e medicamentos. O papel deste profissional é prover os tratamentos, incluindo preventivos, e garantir a manutenção da saúde de seus pacientes de forma geral. É comum um mesmo médico ser responsável por toda a família, uma vez que seu trabalho e performance está relacionado a homens e mulheres de todas as idades. O médico de família tratará das crianças, dos homens e das mulheres, adultos ou idosos.

Em caso de necessidade de um atendimento mais especializado, somente haverá cobertura pelo sistema público se algum médico fizer uma recomendação. Esta recomendação não precisa ser necessariamente feita pelo “family doctor”, muito pelo contrário, pode ser feita por qualquer outro médico, incluindo os profissionais que prestam atendimento em hospitais, mesmo em casos emergenciais. 



:: ESTABELECIMENTOS :: Os hospitais, clínicas e laboratórios que são cobertos pelo sistema de saúde público são necessariamente credenciados para tal. Todos eles são muito bem equipados e possuem equipe altamente qualificada. Em termos de qualidade não há o que reclamar. 

Nem todos possuem a infra-estrutura tipo Sirio Libanes ou Albert Einstein de São Paulo, mas todos tem as instalações necessárias para o atendimento eficiente aos pacientes. Neste caso, ignore luxo e mordomias, estou me referindo a parte técnica. Quem busca requinte, aí sim deve correr atrás de hospitais particulares. De qualquer maneira, em caso de necessidade de internação, é possível pedir por um quarto privado nos próprios hospitais de atendimento público. Isso será cobrado como adicional diretamente do paciente. Eu não sei ao certo qual é o valor, mas já ouvi falar que é algo bem acessível.

Outra coisa interessante é que muitos dos hospitais da rede pública estão iniciando um projeto bem legal direcionado aos imigrantes. Está sendo inciado um programa de idiomas nas instalações de saúde para dar suporte às pessoas não habituadas à lingua local. Aqui em Coquitlam isso está em fase de teste e não sei dizer quais hospitais já está em andamento. Basicamente, a ideia é que haja profissionais nos hospitais que possam falar vários idiomas e ajude na comunicação dos paciente quando necessário. Porque querendo ou não, nestas horas ter que se esforçar para se comunicar é um caos...

Enfim, este é o conceito (bem por cima) de como é o sistema de saúde aqui no Canadá. Resumindo, público e privado à disposição dos residentes inscritos. Cabe a cada paciente decidir qual é tipo de atendimento que vai querer. E os critérios a serem avaliados vai depender de caso a caso e de como as coisas vão funcionar na prática. Mas claro, isso é assunto para o próximo post :)

Até o próximo que será em breve!!