quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

- Início do trabalho - a vez dela - quando o simples vira complicado



É isso aí, já fazem dois meses que estou trabalhando na cafeteria! Agora já posso contar um pouco desta aventura. Sim, esta é a palavra que eu quero usar para descrever a minha nova rotina "profissional", pois foi quando algo que deveria ser simples ficou extremamente complicado. Então vamos lá... 

Para começar, é importante deixar claro que eu sou aquele tipo de pessoa chatinha que gosta de tudo correto. Tenho um certo pavor em pensar que estou fazendo as coisas erradas ou não dando um resultado bom (pelo menos satisfatório) para qualquer coisa que seja. Então sabendo disso, vamos ao caso.... 

Tudo se tornou oficial quando recebi em casa uma carta com algumas informações da empresa, contando um pouco a história da marca, agendando a data e hora do meu primeiro dia e descrevendo o "dressing code", ou seja, as regras das vestimentas. Mas nada falava exatamente de como seria o trabalho, shift (escala de trabalho), benefícios e salário. Salário??? Isso mesmo, eu hão fazia a menor idéia de quanto e como receberia o $$$$. Sei que parece loucura, mas no tal workshop sobre entrevista que eu participei, fui instruída a não perguntar sobre valores na entrevista, e assim eu fiz. Disseram que as empresas apresentariam todos os detalhes das vagas na proposta de trabalho caso fossem oferecer a vaga. Pensando nisso, eu esperava que estas informações viriam por escrito, mas isso não aconteceu. Eu estava preocupada com a falta de detalhes, pois no fim das contas não tinha a menor idéia do que aconteceria. O marido sugeriu que eu ligasse para a gerente para esclarecer tudo. Claro que não fiz isso. Imagina eu perguntando tudo com o meu "super inglês fluente"? E por telefone? Nem pensar!!! Resolvi que descobriria tudo no primeiro dia mesmo. Óbvio que foi loucura, mas vamos combinar, não poderia ser menos que o salário mínimo, eu já havia passado os horários que estaria disponível para trabalhar e a empresa é de grande porte e de marca forte. Certamente não daria para ser algo de outro mundo né, pelo menos escravidão não está mais na moda (kkkkkk). Além do mais, aqui no Canadá as regras para este tipo de trabalho simples são bem rígidas e claras. E mais do que isso, é claro que eu queria (e precisava) de $$$$, mas o principal objetivo era o inglês, então, qualquer coisa já seria lucro. E foi tão difícil arrumar esta vaguinha, então eu não queria complicar mais as coisas.

No primeiro dia tudo foi esclarecido. Cheguei lá uniformizada de acordo com o dressing code, recebi as boas vindas da gerente, assinei o contrato e ela passou o dia todo só conversando comigo, falando da empresa, da sua política, o que esperava de mim, o que eu deveria esperar da empresa, etc, etc, etc. Enfim, tudo as claras. E para agregar, recebi um kit composto por alguns livros falando tuuuuuuudo da empresa. Então eu já estava tranquila! E o melhor de tudo, segundo a gerente, eu teria 15 dias só de treinamento. Tudo bem que na prática foram apenas 6, mas ainda assim, não fui jogada aos leões (clientes) logo de cara.


Depois do primeiro dia, inevitavelmente tem que ter o segundo. E o treinamento começou. Aí foi "F O D @ # % ". Milhares de instruções e, óbvio, tudo em inglês!!!! Mas inglês dos nativos né, ou seja, ninguém falava devagar para a Priscila entender, sem contar as expressões idiomáticas e gírias. Querendo ou não, os colegas estavam no dia a dia deles e portanto nada de café com leite para a imigrante. Eu não entendia nem metade do que falavam, só respondia com aquelas expressões de compreensão: "ok, ok, ok, alright, yeah, hummm, ahhhhhh, great, I see, etc". Depois da lavagem cerebral no trabalho, eu chegava em casa, tentava me afogar na banheira, não conseguia, e me preparava para dormir e tentar tudo outra vez no dia seguinte. E vinha mais fingimento de compreensão do tipo: "ok, ok, ok, alright, yeah, hummm, ahhhhhh, great, I see, etc". Um verdadeiro nó na minha cabeça!!!! 

Mas como para os olhos inglês não significa nada, aprendi tudo na base da observação. Além disso, tentei decorar todas as receitas de "drinks" de inverno, porque naturalmente seriam as mais pedidas já que comecei no final do ano. Juro que são mais de 50 opções sem falar nas customizações. E meu plano deu certo? Mais ou menos, porque também tive que aprender a fazer o "caixa". Se preparar bebida estava "F O D @ # %"  pegar pedido e conversar com os clientes estava "F O D @ # % Í S S I M A" ao quadrado. E para piorar, os queridos clientes partiam do princípio que eu sabia o que estava fazendo. E não precisa nem mencionar a confusão. A supervisora na maior paciência e sorriso no rosto ia tentando administrar a situação. Coitada!!! A princípio achei que eu não falaria com os clientes pois a gerente sabia da minha restrição de comunicação quando me contratou. Mas nada disso, fui tratada como canadense mesmo!!!!  

Mas aí o tempo vai passando e você vai se acostumando com a cara de paisagem, com os foras, com a conversa sem pé nem cabeça, enfim, com tudo que faz parte da rotina do imigrante analfabeto e consegue ir levando. Também não sou nenhuma pessoa burra, incapaz ou imatura para não saber lidar com as situações que apareciam (rsssssss). O problema estava mais relacionado a mim mesma. Independente do tipo de trabalho, eu queria fazer tudo certo. Era mais uma questão de comprometimento pessoal, porque honestamente, ninguém estava me cobrando nada e diziam que eu devia ter paciência, pois realmente eu precisaria de tempo para aprender (diziam em média uns três meses).  Mas sabe como é, eu não aceitava isso de maneira nenhuma, porque eu enxergava aquilo tudo como algo simples e não admitia demorar mais de um mês para aprender as coisas da cafeteria. No fim das contas, depois de duas semanas passei por um "teste" para saberem no quer deveriam reforçar meu treinamento. Fui bem e não precisei passar por nenhum reaprendizado. Inclusive recebi um parabéns da gerente que disse que estava impressionada com o meu desempenho de acordo com o tempo de trabalho. Mas vamos esclarecer que não sou mais uma adolescente que levo tudo na brincadeira. Para mim, tudo relacionado a trabalho é levado a sério e eu não queria de maneira nenhuma ser um peso para a loja, já bastava o meu péssimo inglês. E lembrando meu jeito de ser, qualquer coisa que me proponho a fazer eu me dedico ao máximo para oferecer o melhor que eu posso. Lembrando que decorei as receitas de todas (pelo quase todas) bebidas né?! 

Depois de dois meses, digo que ainda sofro em fazer o caixa, mas mais uma vez por uma questão de avaliação própria. Não é nada demais, dá para encarar, mas para mim ainda é algo cansativo. Chego no final do shift às vezes meio desgastada nos dias que tenho que só fazer caixa. Mas a parte de "drinks" já estou craque!!! Sei disso pois outras duas pessoas que começaram no mesmo dia que eu não fazem nem metade do que eu faço. Não sou nenhuma heroína, apenas uma pessoa dedicada. E percebo isso porque atualmente a gerente faz as minhas escalas para horários de movimento sei nenhum colega antigo junto para acompanhar. Apenas eu comigo mesma :) É engraçado como me sinto feliz por algo tão simples. De repente os pequenos desafios viram enormes batalhas. E cada passinho a mais que eu e o marido damos, é mais um avanço e uma conquista nesta história de imigração. E isso é tão legal! Dar valor às pequenas coisas!!!

E os clientes? De todos os tipos e personalidades. Mas a maioria é bem legal e até tentam conversar bastante comigo. Uns querem até ajudar (kkkkkkk). Outros já me deram apelido e, por causa do meu sotaque forte, muitos (a maioria) pergunta de onde eu venho. Aí é só mencionar Brasil que o papo começa a rolar. Sempre tem assunto. Eu me divirto, falo do país, treino meu inglês e vou aprendendo a interagir com a cultura local. Afinal, este é e sempre foi o objetivo deste trabalho. 

Mas claro que tem os clientes "malas". Tem uns que são expert na marca e sabem mais do que os próprios funcionários. Existe o tipo que adora personalizar o "drink" de toads as formas e usa o máximo de possibilidades possíveis. Estes são os piores: "Could I have a triple grande + decaf + soy milk + half sweet + extra hot + light foam + vanilla latte + caramel drizzle?". Meus Deus, o que é isso????? Não pode ser só um café com leite não? Tipo uma média que vende lá no boteco no Brasil e todo mundo adora???? Não, claro que não pode Priscila!!!!! Também tem aqueles que são frequentes e acham que você tem a obrigação de saber o que eles querem e fazem o pedido dizendo "o de sempre". E eu fico com aquela cara de paisagem e pergunto sem graça: "Mas qual seria 'o de sempre' amigo? Desculpa, eu sou nova e se você puder me esclarecer isso prometo na próxima vez saber qual é o seu 'de sempre', pode ser?!" Afe! Não tem jeito, cliente é cliente em qualquer lugar do mundo! 

E entre todos os clientes, já tenho os meus preferidos: "cops" (policiais). Ao lado da loja que eu trabalho tem uma delegacia e naturalmente os policiais vivem por lá. São os mais legais, posso garantir. Sempre conversam comigo, são gentis, pacientes e alguns deles vão para o Brasil na copa do mundo. Então nem precisa falar quanta conversa rola com eles. Alguns deles chegam por lá e perguntam: "where is the brazillian girl?" (onde está a garota brasileira). E não pensem que eles são super leigos em relação ao Brasil, pelo contrário, vivem lendo a respeito do país e conversando comigo sobre o que leram, confirmando se é verdade ou não. E ainda tem uns que são fãs do "capitão Nascimento", personagem do filme "Tropa de Elite". Dá para acreditar? São uns fofos!!! São pessoas que valem a pena sabe?!  

É isso aí pessoal, a minha rotina está bem pesada, cheia de aventuras, foras, constrangimentos, conquistas, alegrias, tristeza, tudo junto e misturado. Tento conciliar estudos com casa, trabalho, marido e Jesse. Não está fácil e acho que não é para qualquer um. Mas para mim, ainda está funcionando e estou correndo atrás da minha adaptação ao país. Todo dia descubro algo novo e aprendo mais, não apenas questões de inglês, mas questões de vida. E digo mais, ser imigrante não é para qualquer um. Eu poderia contar nos dedos (de uma única mão) as pessoas que eu conheço que aceitariam passar o que estou vivendo atualmente, que colocariam o avental verde e fariam o meu trabalho feliz da vida. Hoje, eu e o marido estamos focados em resultados que só virão láááááá na frente, no risco, na cara e na coragem. Tenho orgulho todos os dias de nós dois, por nossas escolhas e batalhas. E o futuro? Só a vida para nos mostrar!  

É claro que lá na frente pode ser que as coisas não dêem o resultado desejado. Mas o melhor de tudo é ter a sensação diária de que estamos correndo atrás daquilo que acreditamos, que estamos quebrando a rotina esperada e imposta pelo mundo a volta, que tivemos coragem de sair da posição de conforto, que somos capazes de enfrentar as batalhas. E além disso tudo, sabemos que no futuro poderemos dizer que não deixamos nossa vida passar em branco, corremos atrás das nossas crenças e poderemos olhar para trás e perceber tranquilamente que "tentamos" algo valioso: viver.

2 comentários:

  1. ..De repente os pequenos desafios viram enormes batalhas. E cada passinho a mais que eu e o marido damos, é mais um avanço e uma conquista nesta história de imigração...

    e de repente, 1 ano, 2, 3, 4 ... e vocês estarao como verdadeiros cidadaos canadenses, jurando bandeira :-)
    sucesso!

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  2. Olá, tudo bem?

    Gosto muito de ler blogs sobre intercâmbio, viagens e sobre o Canadá, e por isso encontrei o seu blog, e estou lendo aos poucos os seus posts, e estou achando super interessante a vida de vocês, queria tirar umas dúvidas sobre imigração, se tiver um tempinho, prometo não incomodar muito rsrs.

    Eu e o meu "namorido" rs já viajamos para Vancouver para estudar inglês, em épocas diferentes, ele foi em 2008 e ficou quase um ano, nessa época a gente ainda não se conhecia, e eu sempre tive o sonho de conhecer o Canada desde criança, quando o conheci imagina qual foi o assunto que predominou rsrsr, já estamos namorando a 4 anos, e morando juntos a 2, no ano passado eu perdi o meu emprego e decidi que ia realizar o meu sonho de ir pro Canada e claro estudar inglês para conseguir um emprego melhor.

    E fui para Vancouver também, sem dúvidas, adoro natureza, e a cidade chama muita atenção por ter tantas paisagens belíssimas. Eu fiquei só 3 meses, mas conheci bastante coisa, e acho que melhorei bastante o ingles, mas não o sufieciente, para ser valorizada aqui no Brasil.

    Nós moramos em Curitiba, mas eu sou do interior do Paraná, e não me acostumei com a vida aqui na Capital, todos os dias são estressantes, não consigo me motivar, e tudo o que eu mais tenho pensado ultimamente é em imigrar para o Canadá, sei que não é fácil, por isso estou gostando do seu blog, você descreve sobre as suas dificuldades diárias, mas isso é legal, a cada dia você ter uma coisa nova, algo para superar....

    Queria manter contato, e se puder me dar umas dicas sobre a imigração, por onde vocês começaram....

    obrigada e boa sorte ai pra vocês!

    Abraços ;)

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